Hipertensão Arterial na Infância e na Adolescência
Há décadas a medicina se interessa pelo estudo da Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) nas crianças e adolescentes. Entretanto, a não inclusão da aferição da pressão arterial no exame físico rotineiro da criança ainda impede o diagnóstico precoce da doença.
A HAS é problema de saúde pública mundial e não é diferente no nosso país. Sabe-se haver aumento da prevalência mundial também de casos pediátricos principalmente associado ao aumento de sobrepeso e obesidade nessa faixa etária. Infelizmente não há dados nacionais disponíveis que reflitam essa realidade.
Faz-se necessário sensibilizar o pediatra sobre a importância da aferição da pressão arterial na criança de forma rotineira, evitando, principalmente, consequências tardias que podem ser preveníveis quando esta medida é feita de modo sistemático.
Principais estudos e diretrizes sobre HAS em crianças e adolescentes
– 1977: primeira diretriz de avaliação da hipertensão pediátrica (Report of the task force on blood pressure control in children. Pediatrics, 1977).
– 1987: primeira atualização (Report of the Second Task Force on Blood Pressure Control in Children. Pediatrics, 1987).
– 1996: segunda atualização (Update on the 1987 Task Force Report on High Blood Pressure in Children and Adolescents: a working group report from the National High Blood Pressure Education Program. Pediatrics, 1996).
– 2004: a partir deste ano surgiu maior interesse no assunto, com a divulgação da quarta diretriz, que passou a ser a principal referência de interesse mundial (The Fourth Report on the Diagnosis, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure in Children and Adolescents. Pediatrics, 2004), apesar de duas diretrizes européias lançadas em 2009 (Management of high blood pressure in children and adolescents: recommendations of the European Society of Hypertension. Journal of Hypertension, 2009) e em 2016 (2016 European Society of Hypertension guidelines for the management of high blood pressure in children and adolescents. Journal of Hypertension, 2016).
– 2017: neste ano houve a atualização da quarta diretriz, baseada principalmente nos trabalhos focados em HAS pediátrica desde 2004 (Clinical Practice Guideline for Screening and Management of High Blood Pressure in Children and Adolescents. Pediatrics, 2017).
– No Brasil: as diretrizes brasileiras davam pouca importância ao tema. Somente na sétima diretriz (7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 2016) houve um capítulo dedicado exclusivamente à faixa etária pediátrica, bem como na 4ª edição do Tratado de Pediatria da Sociedade Brasileira de Pediatria, de 2017.
A caracterização da Hipertensão Arterial pode sofrer influência de diversos fatores, podendo ser feito diagnóstico falso positivo ou falso negativo:
– Hipertenso: apresenta hipertensão tanto durante a avaliação médica quanto fora dela.
– Normotenso: apresenta níveis normais da pressão arterial independentemente de onde e por quem a medida seja feita.
– Hipertensão do avental branco: a medida da PA em consultório é elevada e fora dele ou por métodos de medida como a Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial (MAPA) ou pela Medida Residencial da Pressão Arterial (MRPA) encontra-se normal.
– Hipertensão mascarada: caracteriza-se por medida casual normal e na MAPA encontra-se elevada. Essa condição é normalmente suspeitada quando o paciente apresenta lesão de órgãos-alvo e tem medidas casuais aparentemente controladas.
Medida da Pressão Arterial
MÉTODOS DISPONÍVEIS
a) Método auscultatória: a técnica preferencial de medida é a auscultatória. O manômetro de mercúrio é o padrão-ouro, porém, não vem sendo utilizado pela toxicidade e risco de contaminação pelo mercúrio. O manômetro aneroide, portanto, seria o mais adequado.
b) Método oscilométrico ou digital: os métodos oscilométricos ou digitais devem ser reservados para situações especiais. A medida alterada com método oscilométrico deve ser confirmada com método auscultatório. Os aparelhos devem estar sempre bem calibrados e os aparelhos digitais devem ser validados para uso, podendo ser consultado se o aparelho é validado no site: dabl Educational Trust. Como não há estudos confiáveis que mostrem segurança na medida por manguitos de punho, portanto, não devem ser usados por profissionais de saúde nem para diagnóstico nem para acompanhamento de crianças e adolescentes hipertensos.
QUANDO AFERIR A PRESSÃO ARTERIAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
a) Maiores de 3 anos de idade:
• sem comorbidades: devem ter a sua pressão arterial aferida pelo menos uma vez por ano.
• com comorbidades: pacientes obesos, em uso de medicamentos que podem elevar a pressão arterial, com doença renal, diabéticos, com história de obstrução do arco aórtico ou coarctação da aorta, devem ter a sua pressão arterial aferida em cada consulta médica.
b) Menores de 3 anos de idade: para as crianças menores de 3 anos de idade, a avaliação da pressão arterial está indicada em condições especiais listadas no quadro abaixo:
Situações que requerem medida da Pressão Arterial antes de 3 anos de idade |
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Histórico neonatal | – Prematuros <32 semanas – Muito baixo peso ao nascer – Cateterismo umbilical – Outras complicações no período neonatal requerendo internação em UTI |
Doenças cardíacas | – Cardiopatia congênita (corrigida ou não) |
Doenças renais | – ITU de repetição – Hematúria ou proteinúria – Doença renal conhecida – Malformação urológica – História familiar de doença renal congênita |
Transplantes | – Órgãos sólidos- Medula óssea |
Outros | – Neoplasia – Tratamento com drogas que sabidamente aumentam a PA – Outras doenças associadas à Hipertensão (neurofibromatose, esclerose tuberosa, anemia falciforme, etc) – Evidência de aumento da pressão intracraniana |
ESCOLHA DO MANGUITO
Em serviços pediátricos, deve-se ter disponibilidade completa de manguitos, devido à extensa faixa etária e variação de tamanho da população que é atendida (desde recém-nascidos até adolescentes obesos).
Medir a circunferência do braço para a escolha do manguito:
– medir a distância do acrômio ao olécrano;
– identificar o ponto médio da distância entre o acrômio e o olécrano;
– medir a circunferência do braço nesse ponto médio.
A partir dessa medida, seleciona-se o manguito adequado para a medida, que deve:
– cobrir 40% da largura;
– cobrir 80 a 100% do comprimento.
No quadro abaixo há referência dos tamanhos de manguitos. Mas LEMBRE-SE: não se deve avaliar especificamente pela faixa etária do paciente, mas sim pela medida da circunferência do braço, conforme especificado acima.
Tamanhos dos manguitos para medida da pressão arterial |
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Faixa etária | Largura (cm) | Comprimento (cm) | Circunferência máxima do braço (cm) |
Recém-nascido | 4 | 8 | 10 |
Lactente | 6 | 12 | 15 |
Criança | 9 | 18 | 22 |
Adulto pequeno | 10 | 24 | 26 |
Adulto | 13 | 30 | 34 |
Adulto grande | 16 | 38 | 44 |
Coxa | 20 | 42 | 52 |
TÉCNICA AUSCULTATÓRIA CORRETA
A medida da pressão arterial na criança segue as mesmas recomendações da medida em adultos:
– paciente tranquilo, descansado por mais de 5 minutos, com a bexiga vazia, sem ter praticado exercícios físicos há pelo menos 60 minutos;
– sentado (ou deitado), com pernas descruzadas, pés apoiados no chão, dorso recostado na cadeira e relaxado;
– braço ao nível do coração, apoiado, com a palma da mão voltada para cima (roupas não devem garrotear o membro);
– preferencialmente o braço direito (para ser comparável com as tabelas padrão e evitar falsas medidas baixas no braço esquerdo no caso de coarctação da aorta).
1. Colocar o manguito escolhido, sem deixar folgas, 2-3cm acima da fossa cubital, centralizando o meio da parte compressiva do manguito sobre a artéria braquial.
2. Estimar o nível da PAS (pressão arterial sistólica) pela palpação do pulso radial.
3. Palpar a artéria braquial na fossa cubital e colocar a campânula ou o diafragma do estetoscópio sem compressão excessiva.
4. Inflar rapidamente até ultrapassar 20-30mmHg o nível estimado da PAS obtido pela palpação.
5. Proceder à deflação lentamente (velocidade de 2mmHg/segundo).
6. Determinar a PAS pela ausculta do primeiro som (fase I de Korotkoff) e, após, aumentar ligeiramente a velocidade de deflação.
7. Determinar a PAD (pressão arterial diastólica) no desaparecimento dos sons (fase V de Korotkoff), auscultando cerca de 20-30mmHg abaixo do último som para confirmar seu desaparecimento e depois proceder à deflação rápida e completa. Se os batimentos persistirem até o nível zero, determinar a PAD no abafamento dos sons (fase IV de Korotkoff) e anotar valores da PAS/PAD/zero.
8. Anotar os valores exatos sem “arredondamentos”, lembrando que, pelo método auscultatório, o intervalo entre os valores marcados no manômetro é de 2mmHg.
Interpretação das Tabelas de Pressão Arterial
Definição de HAS em crianças e adolescentes: valores de pressão arterial sistólica e/ou diastólica iguais ou superiores ao Percentil 95 para sexo, idade e percentil da altura em três ou mais ocasiões diferentes.
Principais modificações entre as diretrizes de 2004 e de 2017
– Mudança na nomenclatura e na classificação e estadiamento da pressão arterial na infância e adolescência;
– Mudança nas tabelas de pressão arterial;
– Investigação das causas de hipertensão arterial;
– Tratamento medicamentoso inicial;
– Níveis alvo de pressão arterial pós tratamento;
– Avaliação de órgãos alvo e seguimento ambulatorial do hipertenso.
As novas tabelas normativas foram feitas baseando-se nos dados da mesma população e com os mesmos métodos utilizados no Fourth Report de 2004, porém, foram excluídas as crianças com sobrepeso e obesidade, pela forte associação dessas condições com pressão arterial elevada e hipertensão.
ATENÇÃO também às seguintes mudanças:
– Normotensão: [PA < P90] (não houve mudança).
– Hipertensão: [PA > P95] (não houve mudança).
– Pressão Arterial Elevada: [PA > P90 e < P95] (houve mudança: o termo “Pré-hipertensão” deu lugar ao termo “Pressão Arterial Elevada”).
– Hipertensão Estágio 1: [PA até P95 + 12mmHg] (houve mudança: a diretriz de 2004 considerava Hipertensão Estágio 1 a [PA até 5mmHg acima do P99]).
– Hipertensão Estágio 2: [PA ≥ P95 + 12 mmHg] (houve mudança: a diretriz de 2004 considerava Hipertensão Estágio 2 a [PA > 5mmHg acima do P99]).
» Tabelas de Pressão Arterial na Infância e Adolescência
• (Pediatrics, 2017) Pressão Arterial Sistêmica para Meninos por Idade e Percentil de Estatura, 1-17 anos
• (Pediatrics, 2017) Pressão Arterial Sistêmica para Meninas por Idade e Percentil de Estatura, 1-17 anos
• Na Diretriz atualizada, incluiu-se a estatura em polegadas e em centímetros, dando a opção para que o percentil da pressão seja avaliado pelo percentil da altura ou pela altura medida.
• Para a avaliação do percentil da altura foram mantidos os gráficos do CDC 2000 tanto para meninas quanto para meninos.
As tabelas de PA incluem crianças e adolescentes de 1 a 17 anos. Todavia, para alinhar as diretrizes pediátricas com as de adultos e facilitar a conduta terapêutica e a transição de adolescentes mais velhos com PA elevada e HAS, a partir de 13 anos, os níveis de PA de adultos já podem ser adotados, como demonstrado abaixo:
Interpretação das Tabelas de Pressão Arterial Clinical Practice Guideline for Screening and Management of High Blood Pressure in Children and Adolescents. Pediatrics, 2017. |
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1 a 13 anos | > 13 anos | |
Normotensão | [PA < P90] | [PA < 120/80] |
Pressão arterial elevada | [PA > P90 e < P95] ou [PA > 120/80, mas < P95] (o que for menor) |
[PA > 120/80 e < 130/80] |
Hipertensão estágio 1 | [PA > P95 e < P95+12] ou [PA > 130/80 e < 140/90] (o que for menor) |
[PA > 130/80 e < 140/90] |
Hipertensão estágio 2 | [PA > P95+12] ou [PA > 140/90] (o que for menor) |
[PA > 140/90] |
Esse corte arbitrário em 13 anos deve ser analisado individualmente. Além da idade, deve ser levado em conta o estágio puberal, só devendo ser utilizado esse valor a partir de 13 anos se o indivíduo já estiver na puberdade. Para efeitos de pesquisa e para maior precisão na classificação da PA, prevalecem os percentis fornecidos pelas tabelas. Nas últimas diretrizes europeias, esse ponto de corte foi feito para adolescentes acima de 16 anos. |
PASSO A PASSO para a interpretação das tabelas de pressão arterial
1. Localizar a idade da criança na primeira coluna.
2. Localizar a coluna do percentil da estatura correspondente ao visto no gráfico ou à estatura medida que mais se aproxima na tabela, tanto para a pressão sistólica quanto para a pressão diastólica.
3. Verificar os percentis 50, 90, 95 e percentil 95+12 mmHg referentes à essa criança.
4. Classificar a pressão arterial do indivíduo de acordo com esses percentis encontrados. A classificação final será feita de acordo com o nível que for mais elevado, quer seja da PA sistólica ou da diastólica.
Se à primeira medida, a PA for ≥ P90, deve-se medir mais 2 vezes na mesma visita e calcular a média das 3 medidas. Essa média deve ser usada para avaliação do estadiamento da pressão arterial.
Para simplificar, a nova diretriz colocou os níveis de corte de acordo com o sexo e idade, a partir dos quais haveria necessidade de avaliação adicional do paciente, demonstrados na tabela abaixo:
Referências Bibliográficas
• Marcelo Meirelles
– Médico Pediatra
– Médico Hebiatra (Especialista em Medicina do Adolescente)