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Bullying




    A infância e a adolescência são fases marcantes para a construção da identidade adulta, o fortalecimento de traços da personalidade e a inserção em grupos sociais.

    Embora a escola, alicerçada em um apoio familiar acolhedor, seja considerada espaço essencial para o desenvolvimento pessoal e o exercício de cidadania, inúmeros relatos a apresentam como cenário muitas vezes favorável para um crescente número de comportamentos agressivos.

    O que é bullying?

    A palavra bullying, de origem inglesa, refere-se a comportamentos agressivos e antissociais repetitivos, em que o agressor, por ter maior poder – físico, emocional, social – tem o desejo consciente de maltratar a vítima, colocando-a sob tensão de forma constante.

    Também chamado de intimidação sistemática, frequentemente está associado a outras manifestações da violência no ambiente escolar (depredação do patrimônio) e microviolências (atos de incivilidade, falta de respeito) contra colegas ou professores.

    Classificação do bullying

    a) Segundo a presença ou não da vítima:
    direto: quando acontece na presença das vítimas;
    indireto: quando elas estão ausentes.

    b) Segundo a tipologia das agressões:
    verbal: apelidos, insultos, xingamentos;
    moral: difamação, fofocas, humilhações;
    psicológico: perseguir, amedrontar, intimidar, chantagear, ameaçar;
    físico: brigas, empurrões, espancamentos;
    material: roubar, estragar pertences;
    sexual: assediar, apalpar, abusar;
    virtual (cyberbullying): difamação digital (mensagens depreciativas, fotos, vídeos originais ou adulterados).

    Epidemiologia do bullying

    No Brasil, atualmente, esse tipo de violência acomete várias regiões, atingindo grandes capitais até cidades de pequeno porte. Sua ocorrência varia amplamente entre estudos, relacionadas principalmente às metodologias utilizadas para identificação do agravo.

    Em estudo nacional envolvendo 60.973 escolares de 1.453 escolas públicas e privadas, 5,4% dos estudantes relataram ter sofrido bullying nos últimos 30 dias. Entre as capitais, Belo Horizonte, Boa Vista e o Distrito Federal apresentaram maior frequência, enquanto a menor foi em Palmas, Belém e Natal. Não houve distinção entre escolas públicas e privadas, exceto em Aracaju, com maior ocorrência nas privadas.

    Na modalidade virtual, os autores mais frequentes são rapazes adolescentes a partir de 15 anos.

    Em relação à escolaridade materna, filhos de mães com escolaridade fundamental incompleta ou mesmo nenhuma escolaridade sofrem menos bullying que os filhos daquelas com maior escolaridade (do fundamental completo ao curso superior).

    Fatores causais do bullying

    Como em toda violência, os prováveis fatores causais relacionados ao bullying são múltiplos, sobressaindo-se os individuais e contextuais, que moldam o indivíduo para o status de agressor, vítima, vítima/agressor – ora agride, ora é vitimizado – ou testemunha, sem participação direta, mas que sofre os efeitos da convivência com situações de bullying.

    a) Fatores contextuais:
    – condições familiares: nos fatores contextuais, condições familiares adversas se destacam. Os agressores geralmente são filhos que presenciam atos violentos, são insultados ou sofrem maus-tratos, têm excesso ou pouca monitoração parental, são submetidos à disciplina autoritária ou punição corporal. Nesses casos, o indivíduo em formação pode se identificar com os agressores e construir um modelo inadequado de relacionamento, repetindo os comportamentos familiares na escola. As vítimas também podem ser filhos detratados, criticados ou superprotegidos e infantilizados, desenvolvendo baixa autoestima, insegurança e pouca sociabilidade. Sentem vergonha, medo e podem se achar merecedores do sofrimento imposto.
    – ambiente social: com relação ao ambiente social, favorecem a prática de bullying: ter amigos agressivos, morar e/ou estudar em região com alto índice de violência urbana, imperando a intolerância às diversidades, especialmente sexuais, inversão de valores éticos, a banalização da violência e impunidade.
    – ambiente escolar: no ambiente escolar, educadores que negam a ocorrência dos fatos ou os interpretam como meras brincadeiras também oferecem um ambiente fértil para bullying.
    – outras situações de vulnerabilidade: desemprego, uso/abuso de drogas, famílias uniparentais, baixo suporte social e dificuldades em negociar para resolução de conflitos familiares e comunitários.

    b) Fatores individuais:
    – portadores de impulsividade, hiperatividade, comportamento desafiador opositivo (atitudes desafiadoras, hostis ou desobediência repetitiva) e intolerância à frustração: são mais propícios a serem agressores. São pessoas com grande popularidade, costumam envolver-se em brigas e atos delinquentes, podem usar psicoativos (tabaco, álcool e outros) e buscam vítimas vulneráveis física ou emocionalmente, sentindo prazer em dominar e causar-lhes sofrimentos. Ao mesmo tempo, são bastante influenciáveis pelos fatores negativos da comunidade ou de seus pares, e têm pouca habilidade em solucionar problemas relacionais.

    Estudo conduzido com adolescentes do 9º ano do ensino fundamental, em escolas públicas municipais do Programa Saúde na Escola de Olinda, PE, em 2012, reforça relatos de outras pesquisas ao apontar um grande contingente de estudantes envolvidos com bullying (67,5%) nos diferentes papéis assumidos (como vítima, agressor ou testemunha) e que agressores e vítimas/agressores do sexo masculino apresentam autoestima superior à do sexo feminino, possivelmente porque aqueles focam sobretudo o sucesso social enquanto as meninas ficam mais atreladas a sentimentos.

    – baixa competência social, insegurança, diversidades: as vítimas costumam ser inseguras, não conseguem defender-se ou apresentam diversidades – etnia, religião, condição socioeconômica, deficiência cognitiva ou física, obesidade ou magreza, alterações na estatura ou transtorno de identificação sexual, o que pode intensificar a baixa autoestima. Habitualmente são excluídos do convívio por seus pares e desenvolvem sintomas internalizantes (depressão, ansiedade, quadros psicossomáticos). Geralmente, as vítimas ou vítimas/agressores têm baixa competência social e tendem ao isolamento.

    Não se devem esquecer as testemunhas de bullying, alguns participando como incentivadores enquanto a maioria silencia por medo do agressor. No entanto, testemunhar esses atos pode levar a quadros de ansiedade e culpa, muitas vezes necessitando de ajuda profissional.

    Bullying - Fatores Causais

    Quadro clínico do bullying

    Apesar de ser uma situação bastante estressante, as vítimas levam tempo para revelar ou nunca o fazem. Assim, o bullying deve sempre ser indagado nas consultas, podendo a vítima negar ou confirmar, muitas vezes após longo período.

    Os agressores devem ser investigados sobre transtornos psíquicos e violência doméstica.

    É preciso estar atento aos indicadores expressos nas mudanças de comportamento, como:
    – fobia escolar (desejo de abandonar ou recusa em ir à escola);
    – ansiedade antecipatória (elevação do estresse em véspera de aulas ou final das férias);
    – insônia ou pesadelos;
    – isolamento ou quadro depressivo;
    – choro fácil;
    – sintomas psicossomáticos (dores de cabeça, no abdome ou mal localizadas, enjoos e indisposições, especialmente em dias de aula);
    – ter pertences “perdidos” ou danificados sem explicação plausível;
    – queda do rendimento escolar e até sinais de agressão física (equimoses, incisões, perfurações).

    Além das citadas acima, o bullying pode estar na base de várias situações clínicas que chegam para atendimento pediátrico, devendo ser sempre lembrado em possíveis diagnósticos diferenciais para situações como:
    – queixas visuais;
    – desmaios;
    – déficit de memória;
    – rendimento escolar insatisfatório;
    – enurese noturna;
    – anorexia ou bulimia;
    – síndrome do intestino irritável;
    – vômitos e outros.

    Repercussões do bullying

    As consequências do bullying dependem da duração, do tipo e da intensidade dos atos, como também da estrutura psíquica dos envolvidos e do apoio recebido. Costumam ser mais intensas nas vítimas que em agressores e testemunhas, havendo efeitos imediatos e em longo prazo.

    As repercussões imediatas funcionam também como indicadores, uma vez que podem ser o motivo de consulta ao pediatra ou outro profissional da equipe. Destacam-se os sintomas internalizantes e os prejuízos acadêmicos já mencionados, que podem culminar em abandono escolar. Nos casos mais graves, a vítima pode apresentar atitudes de automutilação (ferir-se com estiletes, canivetes), adotar medidas drásticas de vingança portando armas, ideação ou tentativa de suicídio.

    No cyberbullying, o anonimato e a rápida exposição pública são fatores que causam grande impacto, repercussões mais prolongadas, levando a quadros depressivos intensos e outros transtornos psíquicos mais severos, como autoagressão, tentativas e êxito suicida.

    Em longo prazo, as vítimas podem ter agravamento desses sintomas levando a quadros crônicos de depressão, pânico, consumo de drogas, transtornos alimentares (anorexia, bulimia, compulsão alimentar transitória), instabilidade profissional, nas relações amorosas e na futura família, perpetuando os fatores causais. Muitas dessas alterações também podem surgir nas testemunhas.

    Os perpetradores de bullying, quando não tratados, tendem a manter seus comportamentos negativos, aderir ao consumo de álcool, porte de armas, agressividade nos relacionamentos interpessoais, podendo alcançar a criminalidade – destruição de patrimônio alheio, violência doméstica, homicídios e envolvimento com o tráfico.

    O bullying ainda causa prejuízos financeiros, considerando-se a necessidade de múltiplas intervenções em saúde mental, reforço escolar, justiça da infância e adolescência e em programas sociais.

    O papel da escola e da equipe de saúde no enfrentamento do bullying

    Embora não exista uma legislação nacional específica para enfrentamento do bullying, tramita no Congresso Nacional o projeto de Lei n. 5.369/2009, já aprovado pelo Senado em março de 2015.

    Em 2007, foi implantado no Brasil o Programa Saúde na Escola (PSE), estabelecendo parceria entre as escolas e a Estratégia Saúde da Família, com profissionais da saúde e educação, educandos, comunidade e demais redes sociais, com vistas à promoção da saúde e fomento da cultura da paz.

    A prevenção dos futuros incidentes pode ser obtida com orientações sobre técnicas de aprimoramento dos relacionamentos interpessoais mediante comunicação não violenta, estratégias de reforço da autoestima de todos, especialmente daqueles estudantes com maior risco de sofrer bullying.

    Uma das estratégias emergentes aplicáveis à educação emocional no contexto escolar é a Terapia Comunitária Integrativa (TCI), desenvolvida pelo psiquiatra cearense Adalberto Barreto, cujo objetivo é minimizar o sofrimento relacionado às quebras de vínculos afetivos, desagregação familiar e fragmentação comunitária. Essas situações levam ao adoecimento social, incluindo pessoas envolvidas com bullying.

    Educação emocional: conjunto de aptidões adquiridas, voltados para a compreensão dos próprios sentimentos e das outras pessoas, que permite gerir adequadamente emoções e conflitos nas relações humanas. Elencada entre as prioridades da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o século XXI – Saúde mental e questões emocionais – estresse, ansiedade, depressão e outras.

    Nesse contexto, sua ação centra-se na troca de experiências, no exercício do diálogo multicultural respeitoso das diferenças individuais, no resgate da autoestima e da autonomia e na formação e no fortalecimento da rede de apoio social pessoal e comunitária.

    A atuação do pediatra desponta como espaço sentinela para identificação precoce de pacientes de risco para bullying, no aconselhamento das famílias e encaminhamento a especialistas, na participação ativa do trabalho em rede para executar programas voltados ao enfrentamento do problema com escola, Conselho Tutelar, Ministério Público e outros. Essa participação encontra respaldo nas recomendações do Currículo Pediátrico Global da Sociedade Brasileira de Pediatria, que instrui para competências mais amplas na formação dos pediatras.

    Ações e posturas profissionais para lidar com o bullying

    • divulgação do conceito (palestras, aulas);
    • desaprovar o comportamento, buscando compreender os elementos causais;
    • dialogar, assumindo orientações e limites claros e firmes;
    • criar situações para participação ativa no combate ao problema na escola (equipes de alunos solidários, professores tutores), com feedback do acompanhamento;
    • instruir alunos e professores sobre a legislação vigente e recolhimento de provas (no cyberbullying, recomenda-se manter a mensagem para denúncia, rastreamento e identificação do autor;
    • relacionar serviços de apoio às vítimas.

    A redução do bullying como uma das metas prioritárias na rede escolar prevê adoção de relacionamentos sociais positivos e fortalecimento da resiliência dos alunos.

    Nesse sentido, as escolas devem desenvolver pactos de convivência saudável, dispor de serviço de apoio psicológico e realizar encontros informativos sobre o tema durante todo o ano letivo.

    As medidas preventivas eficazes devem ser articuladas entre escola-família-sociedade, destacando-se:
    – campanhas informativas com participação ativa da comunidade escolar: alunos e pais, professores, supervisores e demais funcionários;
    – identificação dos casos e intervenção imediata evitando novas ocorrências;
    – informação às famílias, dos alvos e autores, sobre a ocorrência e esclarecer sobre as possíveis consequências;
    – aplicação de medidas educativas aos agressores, tanto pela escola quanto por familiares, no sentido da reparação do dano;
    – atendimento especializado às vítimas e seus familiares, covítimas, nos casos considerados mais severos;
    – ações integralizadas entre educação, saúde e justiça da infância e juventude;
    – supervisão efetiva dos pais/responsáveis com normas claras para uso de eletrônicos;
    – políticas públicas para identificação e regras punitivas claras na violência digital;
    – envolver toda a sociedade no combate ao bullying.

    A existência de atos violentos partindo de jovens constitui verdadeira provocação à sociedade, que precisa evoluir para enfrentar tal desafio. Destaca-se o trabalho em rede de atenção, com a inclusão dos diversos setores sociais, principalmente aqueles mais diretamente envolvidos com a questão, como os trabalhadores da educação, saúde, órgãos de proteção como os Conselhos Tutelares e o Ministério Público, além de outras instituições governamentais e não governamentais (ONG).

    Essa iniciativa pode minimizar as dificuldades de crianças, adolescentes e suas famílias em procurar ajuda; proporcionar mudança da concepção de escola como espaço autoritário, para atitudes adequadas à sua verdadeira missão.

    O pediatra precisa incorporar, na anamnese, questões sobre a dinâmica escolar, a utilização de eletrônicos e redes sociais, informando os riscos e o impacto do bullying no desenvolvimento psicossocial. Mais que isso, o pediatra deve interagir com o ambiente escolar e toda a rede de proteção, reafirmando seu papel em contribuir para gerações mais saudáveis.

    Orientação e ajuda em bullying: instituições e endereços virtuais úteis no Brasil (2015)
    Contatos Conteúdos de interesse/missão Endereços/observações
    Disque 100 – Denúncia de crimes contra crianças e adolescentes – Ligação gratuita
    Disque saúde 136 – Ouvidoria Geral do SUS – Skype (61) 3315-2425
    Observatório da Criança e do Adolescente – Opinião, perguntas e respostas, dados, dicas e links acerca da violência e outros temas – Site do Observatório da Criança e do Adolescente
    Safer Net – Helpline – Atendimento psicológico online gratuito, contra crimes e violações dos Direitos Humanos na internet – Site da Helpline
    Portal do Professor – Produções escolares, fórum, conteúdos multimídia e aula sobre bullying – Site do Portal do Professor
    Conselhos de Direito Estaduais e Municipais – Defesa dos direitos do cidadão – Manter anotações com telefones e endereços atualizados (atendimento e procedência dos pacientes)
    Conselho Tutelar – Órgão municipal de defesa direitos da criança e do adolescente – Site do Conselho tutelar
    Ministério Público – Direitos dos cidadãos/publicações – adolescência – Site do Ministério público (na homepage, selecionar unidade do MPF da sua região)
    Abratecom – Produções, links relativos à saúde comunitária/TCI – Site do Abratecom

    Referências Bibliográficas

    Tratado de Pediatria: Sociedade Brasileira de Pediatria. 4. ed. Barueri, SP : Manole, 2017.

    • Dr. Marcelo Meirelles
    – Médico Pediatra
    – Médico Hebiatra (Especialista em Medicina do Adolescente)
    – Psiquiatria na Infância e Adolescência




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