Manual de Atenção à Saúde do Adolescente
▪ SÃO PAULO (Cidade). Secretaria da Saúde. Manual de Atenção à Saúde do Adolescente. São Paulo: Secretaria da Saúde, 2006. 328 p.
Seção I. Atendimento do Adolescente e a Legislação
2. O Papel da Unidade Básica de Saúde
Athenê Maria de Marco França Mauro
A necessidade da existência de serviços de saúde de qualidade tem sido colocada como um desafio para o alcance de melhores condições de vida e de saúde dos adolescentes, o que também significa compreender a importância das dimensões econômica, social e cultural que permeiam a vida desse grupo.
Os serviços têm como objetivo principal garantir o acesso de adolescentes e jovens a ações de promoção à saúde, prevenção, atenção aos agravos e doenças, bem como reabilitação, respeitando os princípios organizativos e operacionais do Sistema Único de Saúde (SUS). Para essa organização devem ser levados em consideração a disponibilidade, a formação e a educação permanente dos recursos humanos, a estrutura física, os equipamentos, os insumos e o sistema de informação, adequando-os ao grau de complexidade da atenção a ser prestada.
A Unidade Básica de Saúde (UBS) deve:
- Adequar os serviços de saúde às necessidades específicas de adolescentes, respeitando as características da atenção local vigente, os recursos humanos e materiais disponíveis;
- Respeitar as características socioeconômicas e culturais da comunidade, além do perfil epidemiológico da população local;
- Estimular a participação ativa dos jovens nas ações de prevenção e promoção à saúde.
Planejamento das Atividades de Promoção e Atenção à Saúde dos Adolescentes
♦ Diagnóstico
Recomenda-se, inicialmente, realizar um diagnóstico que considere os seguintes aspectos:
- Características dos adolescentes que residem na área de atuação da unidade de saúde: idade, sexo, orientação sexual, etnia, raça, nível socioeconômico, escolaridade, inserção no mercado de trabalho (formal e informal), pessoas com deficiências; informações sobre morbimortalidade, uso de álcool, tabaco e outras drogas, gravidez na adolescência, conhecimento e uso de contraceptivos; aspectos subjetivos como desejos, valores, insatisfações, ídolos, vínculos com a família, amigos e percepção sobre escola, a comunidade e a unidade de saúde.
- Características das famílias: renda, estrutura e dinâmica familiar.
- Condições de vida: tipo de moradia, saneamento, destino do lixo, condições de segurança, transporte.
- Recursos comunitários: escolas, atividades profissionalizantes, culturais e esportivas, áreas de lazer, igrejas, grupos organizados da sociedade civil.
- Condições de atendimento nas unidades de saúde: acesso, programas, projetos e atividades, porcentagem de homens e mulheres, concentração de consultas, captação de gestantes por trimestre, principais motivos de atendimento, serviços oferecidos.
♦ Recursos Humanos
a) Equipe de Trabalho
A busca do trabalho inter e multiprofissional deve ser uma constante, mas sua impossibilidade não pode ser um impedimento. Um único profissional interessado pode iniciar atividades específicas com esse grupo etário e, gradativamente, sensibilizar outros profissionais e setores da unidade para o trabalho em equipe.
b) Educação Permanente da Equipe
Deve visar, mais que um simples domínio de conhecimentos e habilidades técnicas, a transformação da prática profissional e da qualidade do serviço. A educação continuada, que pode se dar por meio das reuniões da equipe, é um mecanismo importante no desenvolvimento das relações entre a própria equipe.
♦ Estrutura Física
É importante criar ou adaptar ambientes onde adolescentes e jovens, de ambos os sexos, se sintam mais à vontade. Sempre que possível, podem ser destinados turnos específicos de atendimento, para que a sala de espera fique disponível para esse grupo. De acordo com a realidade de cada local, esse ambiente poderá contar com vídeos, jogos, murais, painéis de mensagens, notícias e informações, música, cartazes, revistas, livros, entre outros. Os consultórios devem permitir a necessária privacidade.
♦ Equipamentos, Instrumentos e Insumos Básicos
a) Equipamentos
Dentre os equipamentos básicos necessários, destacam-se: tensiômetro, estetoscópio, termômetro, balança antropométrica, fita métrica, lanterna e espelho. Equipamentos como orquidômetro, oftalmoscópio, otoscópio deverão estar disponíveis nos serviços.
b) Insumos
Preservativos e outros métodos contraceptivos, fitas de teste imunológico de gravidez (TIG), luvas descartáveis, swab para cultura, abaixadores de língua. Medicamentos padronizados para a rede básica.
Impressos:
▪ Gerais: como receituários.
▪ Específicos: gráficos de peso, altura, índice de massa corporal (IMC), pranchas de Tanner para avaliação do estadiamento puberal, tabela de aferição da pressão arterial.
Material educativo sugerido: folhetos, kit educativo dos métodos anticoncepcionais, material audiovisual, álbuns seriados, vídeos educativos, cartazes, modelo pélvico feminino, modelo de genitália masculina, jogos educativos.
♦ Trazer Adolescentes para a Unidade de Saúde
CAPTAÇÃO
Deve ser realizada por meio de ações e atividades estratégicas desenvolvidas tanto no interior das unidades de saúde quanto nas comunidades.
A captação envolve diferentes estratégias:
a) Divulgação Interna na Unidade:
- Cartazes contendo os diferentes serviços, horários e profissionais de contato, a serem afixados na entrada da unidade e em setores estratégicos;
- Folhetos com as informações sobre os serviços oferecidos e as formas de acesso, para serem entregues aos adolescentes e seus familiares;
- Divulgação por meio de funcionários da unidade a partir da porta de entrada ou recepção.
b) Visitas Domiciliares:
Durante as visitas devem ser divulgados os serviços que a unidade de saúde local oferece, reforçando a importância dos adolescentes participarem das atividades educativas.
c) Divulgação na Comunidade:
Podem ser usados os recursos disponíveis na comunidade como, por exemplo, rádio, carro de som, murais nas igrejas, dentre outros.
d) Parcerias Institucionais:
Estabelecimento de redes interinstitucionais da Unidade Básica de Saúde com escolas, organizações religiosas, grupos sociais, familiares, fábricas, associações juvenis, sindicatos, clubes, etc.
A escola é um espaço privilegiado para a captação de adolescentes porque:
- Agrega grande parte dos adolescentes da comunidade;
- É um espaço de socialização, formação e informação;
- É na escola onde eles passam a maior parte do tempo.
Sugestões de estratégias de integração escola-unidade de saúde-comunidade:
- Apoiar e implementar as atividades conjuntas entre a escola, os serviços de saúde, comunidade e famílias;
- Envolver os adolescentes em projetos e ações educativas nas escolas e comunidade;
- Trabalhar junto a grêmios estudantis, entidades esportivas, centros comunitários, para divulgação do serviço e estabelecimento de ações conjuntas;
- Os adolescentes podem criar jingles, mensagens curtas e anúncios para promover os serviços e ações a serem trabalhados;
- Criar boletins informativos, jornais comunitários, jornais escolares, caixas de dúvidas e sugestões;
- Realizar eventos que promovam a saúde, a cidadania e a qualidade de vida, tais como gincanas, passeios, shows musicais e artísticos, campeonatos;
- Viabilizar nas escolas e na comunidade murais relativos aos serviços de saúde;
- Oferecer a unidade para a realização de feiras de saúde organizadas pelos adolescentes.
e) Desenvolvimento de estratégias específicas:
É importante ressaltar aos profissionais envolvidos no atendimento que devem ter um olhar especial para os adolescentes em situações especiais de agravos. Esses grupos não vêm sendo adequadamente atendidos por despreparo dos serviços de saúde para o acolhimento dessa clientela. Isso implica no desenvolvimento de estratégias diferenciadas, como a criação de mecanismos de integração com as instituições que lidam com esses grupos.
Dentre esses grupos, deve-se destacar os seguintes:
- Envolvidos com exploração sexual
- Envolvidos com violência
- Profissionais do sexo e de outras formas de trabalho perigoso, penoso, insalubre e noturno
- Egressos de atividades laborais de risco
- Moradores de rua
- Institucionalizados
- Que estejam cumprindo medidas socioeducativas
- Infectados por HIV
- Discriminados por serem considerados diferentes
É importante também o desenvolvimento de estratégias específicas para ampliar a captação de adolescentes do sexo masculino, tais como a realização de grupos de homens e o estabelecimento de parcerias com entidades que realizam atividades esportivas.
RECEPÇÃO
Configura-se como uma oportunidade de formação de vínculo com o serviço. Para que se estabeleça um clima de confiança e de compromisso, torna-se fundamental a adoção de atitudes acolhedoras, cordiais e compreensivas.
ACOLHIMENTO
Trata-se de um conjunto de ações que fazem com que o indivíduo se sinta bem recebido pelo serviço em todos os locais e momentos, humanizando as relações entre equipes de saúde e usuários.
♦ Ações da Unidade de Saúde
Poderão constar de:
a) Visita domiciliar
b) Atendimento individual
c) Atividades em grupo para adolescentes e familiares
- Desenvolver a capacidade de ouvir, falar e de comunicar-se
- Estabelecer um processo coletivo de discussão e reflexão
- Construir uma experiência de reflexão educativa comum
Nem todos se beneficiam ou se sentem à vontade em participar do atendimento em grupo. Portanto, devem ser consideradas as necessidades do cliente e o seu desejo em participar.
Sugestões de temas relevantes para trabalhar com esse grupo etário:
- Cidadania, direitos e deveres
- Projetos de vida, sonhos, auto-estima
- Participação juvenil e voluntariado
- Direitos sexuais e reprodutivos
- Sexualidade e saúde reprodutiva
- Relações de gênero e etnia
- Crescimento e desenvolvimento
- Relacionamentos sociais: escola, família, grupo de amigos
- Corpo, autocuidado e autoconhecimento
- Uso de drogas lícitas e ilícitas
- Violência doméstica e social
- Cultura de paz
- Esportes e nutrição
- Trabalho
- Saúde bucal
- Temas de interesse dos adolescentes
d) Ações educativas e de promoção da saúde
Devem ser incluídas como componentes fundamentais da consulta. As visitas de rotina configuram-se como oportunidades para:
- Desenvolver ações de educação em saúde
- Verificar se as imunizações estão de acordo com o calendário vacinal
- Desenvolver vínculos que favoreçam um diálogo aberto sobre questões de saúde e de outros interesses
- Identificar precocemente fatores de risco que impliquem em vulnerabilidade
- Incentivar a participação em atividades esportivas, culturais, de lazer, bem como em grupos organizados na comunidade
- Incentivar o diálogo nas famílias e orientá-las sobre as etapas normais do desenvolvimento de seus filhos
- Os adolescentes deverão receber esclarecimentos a respeito de seu crescimento físico e desenvolvimento psicossocial e sexual
e) Ações de participação juvenil
São estratégias de fortalecimento da autonomia, por meio da participação criativa, construtiva e solidária de adolescentes no enfrentamento de problemas reais da comunidade.
A participação pode se dar de diferentes maneiras, tais como:
- Identificação e valorização das lideranças estudantis e juvenis da comunidade
- Mobilização para debates sobre as condições de saúde de seu bairro e sobre as necessidades específicas para o bem-estar social, resultando na elaboração de propostas
- Realização de campanhas que mobilizem a comunidade, como por exemplo, em prol da prevenção da violência ou da dengue
- Apoio às iniciativas de adolescentes em prol da comunidade ou de seus pares, colocando-se a Unidade à disposição para dar suporte, sem tomar a liderança das mãos dos jovens, por meio de fornecimento de materiais, de disponibilização do espaço físico da Unidade e divulgação
- Estabelecimento de parcerias com os grupos organizados de jovens que existem na comunidade para articulação com os diferentes projetos realizados pelo serviço de saúde
- Apoio na criação de canais para a sua expressão e reconhecimento, tais como: atividades artísticas e culturais, rádio ou jornal comunitário, campeonatos, gincanas, grupos de voluntários, palanque da cidadania, olimpíadas desportivas ou intelectuais
f) Articulação intersetorial
Nenhuma organização é capaz de, isoladamente, realizar todas as ações necessárias para assegurar a saúde e o desenvolvimento aos adolescentes. Alianças e parcerias são essenciais para a criação das condições de proteção do bem-estar e para a maximização dos potenciais de todos eles.
A articulação intersetorial pode incluir atividades que são desenvolvidas nas escolas, nos centros comunitários, nos clubes, nas igrejas, nas associações de moradores e em outros locais da comunidade. Recomenda-se:
- Identificação de todos os equipamentos sociais existentes na comunidade
- Reuniões com os representantes das diferentes instituições-entidades, incluindo os adolescentes nesses debates
- Realização de um planejamento conjunto de atividades voltadas para essa população, onde cada instituição tenha uma definição clara de suas responsabilidades
- Acompanhamento e avaliação das principais ações de forma integrada
- Criação de parcerias que viabilizem o acesso dos adolescentes a atividades culturais, profissionalizantes e desportivas oferecidas pelas demais instituições
g) Referência e contrarreferência
Deve-se assegurar acesso universal e oportuno, em termos de atenção, que corresponda ao problema identificado. A contrarreferência é fundamental, pois a equipe de saúde tomará conhecimento dos procedimentos realizados, dando continuidade ao acompanhamento dos casos.
Bibliografia Consultada
▪ Brasil.Ministério da Saúde. Coordenação Nacional de DST e AIDS. Manual do multiplicador adolescente. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 1997, 160p.
▪ Ministério da Saúde. Saúde e desenvolvimento da juventude brasileira: construindo uma agenda nacional. Brasília, DF. Ministério da Saúde, 1999.
▪ Ministério da Saúde. Saúde Integral de Adolescentes e Jovens. Brasília, DF. Ministério da Saúde, 2005.
▪ Deslandes SF. Concepções em pesquisa social: articulações com o campo de avaliação em serviços de saúde. Cadernos de Saúde Pública 1997; 13(1): 103-7.
▪ Sociedade Brasileira de Pediatria. Guia de adolescência: orientações para profissionais da área médica. Rio de Janeiro, 2000.
▪ Tanaka Y, Melo C. Avaliação de programas de saúde do adolescente: um modo de fazer. São Paulo, Edusp, 2001.
• Dr. Marcelo Meirelles
– Médico Pediatra
– Médico Hebiatra (Especialista em Medicina do Adolescente)
– Psiquiatria na Infância e Adolescência