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Manual de Atenção à Saúde do Adolescente – Seção I. Atendimento do Adolescente e a Legislação – 3. Legislação e a Saúde do Adolescente




    Manual de Atenção à Saúde do Adolescente

    Manual de Atenção à Saúde do Adolescente

    ▪ SÃO PAULO (Cidade). Secretaria da Saúde. Manual de Atenção à Saúde do Adolescente. São Paulo: Secretaria da Saúde, 2006. 328 p.

    Seção I. Atendimento do Adolescente e a Legislação

    3. Legislação e a Saúde do Adolescente

    Lucília Nunes da Silva, Fernanda Fernandes Ranña

    A legislação brasileira contempla a atenção integral à saúde dos adolescentes em várias leis, que devem ser do conhecimento de todos os profissionais que se propõem a trabalhar com esses jovens. As principais serão descritas neste capítulo.

    É importante salientar que, ao longo do texto abaixo, encontram-se vários trechos extraídos do documento “Marco Legal”, do Ministério da Saúde, que foram mantidos em sua íntegra, a fim de garantir a fidedignidade e precisão das informações nele contidas.

    Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA

    O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990) é um marco e um divisor de águas na história recente da cidadania de meninos e meninas no Brasil. Ele substituiu o Código de Menores (Lei nº 6.697, de 10/10/1979) que se circunscrevia às crianças e aos adolescentes em situação irregular, e ditou regras e normas durante 10 anos. Entretanto, sua presença cultural – termos, vícios de linguagem, visão estrutural das instituições – ainda perdura, impedindo que a própria sociedade reconheça os direitos e deveres das crianças e dos adolescentes.

    O ECA passa a reconhecer todas as crianças e todos os adolescentes como sujeitos de direitos nas diversas condições sociais e individuais. Segundo tal estatuto a condição de pessoa em desenvolvimento não retira da criança e do adolescente o direito à inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a identidade, a autonomia, os valores e as ideias, o direito de opinião e expressão, de buscar refúgio, auxílio e orientação.

    O Estatuto da Criança e do Adolescente não se resume a um conjunto de leis isoladas. Sua proposta é muito mais ampla porque prevê a criação de uma rede de atendimento, caracterizada por ações integradas. Dessa rede, fazem parte as organizações governamentais e não-governamentais, os movimentos sociais, comunidades locais, grupos religiosos, entidades nacionais, organismos internacionais, categorias de trabalhadores e a própria população. Todos devem participar da discussão dos problemas locais, formulando propostas, negociando, optando pela melhor política a ser desenvolvida e, principalmente, oferecendo serviços.

    Para garantir a criação desta rede, o Estatuto estipula a implantação, em cada município brasileiro, de órgãos que têm a responsabilidade de assegurar o cumprimento das políticas públicas voltadas à criança e ao adolescente. São eles: o Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente e os Conselhos Tutelares.

    O acesso da criança e do adolescente à justiça também é reformulado a partir do Estatuto, criando-se a Justiça da Infância e Juventude no âmbito dos Poderes Judiciários Estaduais, além de mecanismos e procedimentos próprios de proteção judicial e extrajudicial dos interesses individuais, difusos e coletivos das crianças e adolescentes.

    Crianças e adolescentes tornam-se sujeitos de direito e deveres civis, humanos e sociais previstos na Constituição e em outras leis. Passam a ser considerados cidadãos em desenvolvimento, tendo o seu universo protegido (doutrina da proteção integral).

    Estabelece os direitos referentes à saúde, à educação, à alimentação, à informação, ao lazer, ao esporte, dentre outros. Determina a obrigatoriedade de pais e responsáveis matricularem seus filhos e acompanharem sua frequência e seu aproveitamento escolar. Amplia e divide a responsabilidade pelo cumprimento de direitos e deveres entre a família, a sociedade e o Estado, tornando-os responsáveis.

    Decorrente dessa nova forma de considerar os adolescentes, foi promulgada uma lei municipal que proíbe o uso da palavra “menor” na descrição de projetos e atividades inseridos no Orçamento Programa Anual do Município de São Paulo (Lei nº 13.187, de 16 de outubro de 2001).

    ♦ Direitos e Deveres

    A questão dos direitos e deveres da criança e do adolescente, pela primeira vez na história brasileira, tem prioridade absoluta, e a sua proteção é dever da família, da sociedade e do Estado.

    Contudo, é comum verificar que muitas pessoas acreditam somente na existência dos direitos das crianças e dos adolescentes. O grande mérito do Estatuto foi transformar crianças e adolescentes em cidadãos sujeitos de direitos e deveres, estabelecendo regras de prioridade absoluta das políticas públicas.

    ♦ Código de Menores

    Não havia distinção entre crianças e adolescentes. Todo indivíduo com idade inferior a 18 anos era considerado “menor” e, portanto, sujeito ao Código de Menores.

    Crianças e adolescentes não eram considerados sujeitos de direitos; eram tratados pela Legislação como seres “inferiores”, objetos tutelados pela lei e pela justiça. O Código de Menores dispunha sobre a assistência, proteção e vigilância da criança e/ou do adolescente que se encontrasse abandonado, exposto, carente ou que apresentasse desvio de conduta.

    O Poder Judiciário era a única instância que controlava as omissões e os abusos. De acordo com o ECA, a intervenção tanto da polícia quanto da justiça, passou a ser permitida somente em situações em que ocorre ato infracional contra a lei criminal. Também ficou impossibilitada a privação de liberdade do adolescente sem o devido processo legal.

    Estabeleceu tipos penais aos atos praticados contra crianças e adolescentes, por ação ou omissão, e determinou medidas específicas aplicáveis a pais ou responsáveis na hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual. Anteriormente não existiam medidas específicas aplicáveis a pais ou responsáveis em situações de maus-tratos, opressão ou abuso sexual.

    Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

    A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394, de 20/12/1996) estabelece a incumbência da União Federal na elaboração do Plano Nacional de Educação, outorgando ao Conselho Nacional de Educação funções normativas e de supervisão.

    Os Parâmetros Curriculares Nacionais incluem o tema Educação para a Saúde como obrigatório, a ser tratado de forma transversal por todas as áreas, incluindo tópico especial para a questão da orientação sexual. A reformulação das diretrizes educacionais em 1996 harmonizou-se com o novo conceito de saúde conectado ao social e refletiu a preocupação e a estratégia de reduzir a gravidez não planejada, a AIDS e outras doenças sexualmente transmissíveis na adolescência.

    As Leis Orgânicas da Saúde

    As Leis Orgânicas da Saúde (Lei nº 8.080, de 19/09/1990 e Lei nº 8.142, de 28/12/1990) regulamentaram o artigo constitucional que criou o Sistema Único de Saúde (SUS), garantindo a saúde como um direito de todos. A gestão do SUS é complementada pelas Normas Operacionais Básicas (NOB), diversas portarias e normas técnicas, expedidas pelo Ministério da Saúde, e resoluções do Conselho Nacional de Saúde, no âmbito da União.

    Os estados, os municípios e o Distrito Federal possuem igualmente competência para gerir o sistema em seu âmbito administrativo. Dessa forma, a ausência de uma norma federal, por exemplo, específica para o atendimento do adolescente nos serviços de planejamento familiar, não impede que em nível estadual e/ou municipal o mesmo seja regulado, respeitados os limites da legislação federal (vide anexo: Lei Estadual nº 11.976, de 25 de agosto de 2005, e Portaria Municipal nº 527, de 20 de agosto de 2004).

    A Lei Orgânica da Assistência Social

    A Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS – (Lei nº 8.742/93) – regulamenta o direito constitucional à assistência social do Estado, independente de contribuição, e expressamente garante a proteção especial à adolescência e o amparo aos adolescentes carentes. Garante um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. As ações governamentais nessa área são realizadas com recursos do orçamento mediante programas especiais.

    O enfrentamento da pobreza é um dos maiores problemas nacionais que reflete diretamente na saúde do adolescente, aumentando a vulnerabilidade e retirando dos jovens as oportunidades de construção de uma vida digna.

    Na definição das linhas de ação para o atendimento da criança e do adolescente, o Estatuto da Criança e do Adolescente destaca as políticas e programas de assistência social, determinando o fortalecimento e ampliação de benefícios assistenciais e políticas compensatórias como estratégia para redução dos riscos e agravos de saúde dos jovens.

    Esses são os novos marcos ético-legais que devem nortear as políticas nacionais de atenção à saúde dos jovens no Sistema Único de Saúde.

    Limitação Legal para o Exercício de Direitos e Atendimento do Adolescente

    Um dos pontos mais controvertidos no dia a dia dos profissionais que atendem adolescentes e jovens são as diversas limitações legais para o exercício pessoal de direitos, fixados pela lei civil e penal.

    Todas as legislações, seguindo a recomendação internacional, fixam faixas etárias ou condições para o seu exercício, considerando a idade, a saúde ou o desenvolvimento intelectual de determinadas pessoas, com o fim de protegê-las.

    No direito brasileiro foram fixados diversos limites etários. A existência de diversas limitações etárias, para os adolescentes exercerem seus direitos, causa perplexidade e dificuldades para os profissionais de saúde no atendimento da população adolescente, criando receios do ponto de vista ético e legal.

    Atender um adolescente que tenha menos de 14 anos de idade e que esteja desacompanhado é uma questão que provoca muitas dúvidas nos profissionais da área de Saúde.

    O direito à saúde constitui um direito humano fundamental, um direito tutelar que exclui qualquer outra norma que demonstre prejudicial ao bem juridicamente tutelado à saúde da pessoa humana.

    O Estatuto da Criança e do Adolescente, que consolida os direitos básicos da população infantojuvenil, em seu artigo 1º, claramente dispõe a doutrina da proteção integral, determinando a natureza tutelar dos direitos ali elencados, que predominarão sobre qualquer outro que possa prejudicá-lo.

    Dessa forma, qualquer exigência, como a obrigatoriedade da presença de um responsável para acompanhamento no serviço de saúde, que possa afastar ou impedir o exercício pleno do adolescente de seu direito fundamental à saúde e à liberdade, constitui lesão ao direito maior de uma vida saudável.

    Caso a equipe entenda que o usuário não possui condições de decidir sozinho sobre alguma intervenção em razão de sua complexidade, deve, primeiramente, realizar as intervenções urgentes que se façam necessárias, e, em seguida, abordar o adolescente de forma clara sobre a necessidade de que um responsável o assista e o auxilie no acompanhamento.

    A resistência do adolescente em informar determinadas circunstâncias de sua vida à família é uma dificuldade que deve ser enfrentada pela equipe de saúde, preservando sempre o direito do adolescente em exercer seu direito à saúde. Dessa forma, recomenda-se que, havendo resistência fundada e receio de que a comunicação ao responsável legal implique em afastamento do usuário ou dano a sua saúde, se aceite pessoa maior e capaz indicada pelo adolescente para acompanhá-lo e auxiliar a equipe de saúde na condução do caso, aplicando-se analogicamente o princípio do art. 142 do ECA:

    “Os menores de dezesseis anos serão representados e os maiores de dezesseis e menores de vinte e um anos assistidos por seus pais, tutores ou curadores, na forma da legislação civil ou processual”.

    Sigilo Profissional

    É vedado aos profissionais:

    Art. 154: Revelar a alguém, sem justa causa, segredo de que tenha ciência, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem. Pena: detenção de três meses a um ano (Código Penal Brasileiro).

    Considerando que a revelação de determinados fatos para os responsáveis legais pode acarretar consequências danosas para a saúde do jovem e a perda da confiança na relação com a equipe, o Código de Ética Médica não adotou o critério etário, mas o do desenvolvimento intelectual, determinando expressamente o respeito à opinião da criança e do adolescente, e à manutenção do sigilo profissional, desde que o assistido tenha capacidade de avaliar o problema e conduzir-se por seus próprios meios para solucioná-lo.

    É vedado ao médico:

    Art. 103: Revelar segredo profissional referente a paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou responsáveis legais, desde que o menor tenha capacidade de avaliar seu problema e de conduzir-se por seus próprios meios para solucioná-los, salvo quando a não revelação possa acarretar danos ao paciente (Código de Ética Médica).

    Art. 107: Deixar de orientar seus auxiliares e de zelar para que respeitem o segredo profissional a que estão obrigados (Código de Ética Médica).

    Recomendações para a Equipe Médica

    Considerando as dificuldades para o enfrentamento de algumas questões, recomenda-se:

    • Que a equipe médica busque sempre encorajar o adolescente a envolver a família no acompanhamento dos seus problemas, já que os pais ou responsáveis têm a obrigação legal de proteção e orientação de seus filhos ou tutelados.
    • Que a quebra de sigilo, sempre que possível, seja decidida pela equipe de saúde juntamente com o adolescente e fundamentada no benefício real para a pessoa assistida, e não como uma forma de “livrar-se do problema”.

    Comunicação Obrigatória de Fatos que Constituam Crimes

    O Estatuto da Criança e do Adolescente considera infração administrativa os casos em que o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental deixar de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos e/ou negligência contra a criança e o adolescente (Art. 245 – ECA).

    A norma que obriga esta comunicação busca prevenir danos maiores à vítima e à segurança pública. Tal procedimento deve ser discutido com a equipe e revestido das cautelas necessárias de modo a garantir:

    • que o fato realmente constitua uma violação de direito;
    • a proteção máxima do adolescente;
    • o estabelecimento de um vínculo de confiança entre a equipe e a vítima;
    • absoluta segurança para o usuário revelar aos profissionais aspectos íntimos de sua vida;
    • o acolhimento, prevenção e tratamento dos envolvidos nos fatos.

    A comunicação deve ser dirigida ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais que se façam necessárias, como o encaminhamento para exame de corpo de delito da vítima ou o registro da ocorrência junto à autoridade policial. Pode ainda a denúncia ser encaminhada ao Juiz ou à Promotoria da Infância e da Juventude.

    Se for certo que a equipe de saúde deve apurar corretamente os fatos e buscar o consentimento e a participação do adolescente para desencadear as providências legais, reconhecemos que não é tarefa fácil. Por isso, recomenda-se a atuação integrada e conjunta do setor de Saúde com os Juizados e Promotorias da Criança e Adolescente e Conselhos Tutelares, buscando estabelecer um consenso saúde/justiça/segurança quanto à conduta que os profissionais devem adotar diante de determinados fatos. Iniciativas locais dessa natureza viabilizarão uma melhor assistência, reduzindo a resistência e o medo dos profissionais de se envolverem em questões judiciais.

    A comunicação sem as devidas cautelas pode trazer sérias consequências para a própria vítima, afastando-a definitivamente dos serviços de saúde.

    Saúde Sexual e Reprodutiva

    O Plano de Ação da Conferência Mundial de População e Desenvolvimento (Cairo, 1994), que introduziu na normativa internacional o conceito de direitos reprodutivos, inseriu os adolescentes como sujeitos que deverão ser alcançados pelas normas, programas e políticas públicas.

    Em 1999, a ONU realizou um processo de revisão e avaliação da implementação do programa (Cairo +5), avançando nos direitos dos jovens. Na revisão do documento, deixou de ser incluído o direito dos pais em todas as referências aos adolescentes, garantindo o direito dos adolescentes à privacidade, ao sigilo, ao consentimento informado, à educação, inclusive sexual no currículo escolar, à informação e assistência à saúde reprodutiva.

    O Comitê de Direitos da Criança traçou recomendação específica (Recomendação Geral nº 4, de 6 de junho de 2003) sobre o direito à saúde dos adolescentes, fixando o alcance dos princípios da Convenção Internacional dos Direitos da Criança e as obrigações dos estados em promovê-lo.

    O Comitê destaca a recomendação internacional do direito à preservação da autonomia, do sigilo e da privacidade do adolescente (menores de 18 anos) e ao seu acesso aos serviços de saúde, independente da anuência ou presença dos pais e responsáveis, para o enfrentamento das suas questões, inclusive sexual e reprodutiva; e o direito do adolescente não ser discriminado em razão de alguma deficiência física, mental, sorológica (HIV/AIDS) ou por questões de sexo, orientação sexual e estilo de vida.

    No plano normativo nacional, possuímos algumas leis que tratam do tema, relacionadas a seguir.

    A Lei n.º 6.202/1975 estabelece que a gestante estudante tem direito a receber o conteúdo das matérias escolares em casa a partir do oitavo mês de gestação e durante os três meses após o parto, podendo, de acordo com indicação médica, esse período ser prolongado. A prestação dos exames escolares é garantida por “regime de exercícios domiciliares” e seu aproveitamento escolar poderá ser aferido por meio de trabalhos feitos em casa.

    A Constituição Federal Brasileira garante a licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de 120 dias; a licença paternidade pelo período de cinco dias, a contar do dia do nascimento do filho; o direito ao recebimento do salário família, de acordo com o número de filhos.

    A Lei n.º 9.263/1996 (planejamento familiar) regula um conjunto de ações para a saúde sexual e saúde reprodutiva. Não trata a nova lei expressamente sobre a saúde sexual e saúde reprodutiva dos adolescentes, o que não constitui uma barreira para o acesso aos serviços de saúde; ao contrário, é direito do adolescente o atendimento integral e incondicional, decorrente dos princípios e diretrizes adotados pela Constituição Federal, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, pelo Sistema Único de Saúde e pela própria lei sobre o tema.

    A única restrição estabelecida na lei é para a realização da esterilização cirúrgica nas pessoas menores de 25 anos com menos de dois filhos. Importante destacar que, a respeito do controle de doenças sexualmente transmissíveis na população adolescente, o Conselho Federal de Medicina, por meio do Ofício CFM n.º 2.797/1998, em resposta à solicitação da Coordenação Nacional de DST e Aids do Ministério da Saúde, registrou parecer baseado nos dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente, do Código de Ética Médica, da Convenção Internacional dos Direitos da Criança e na realidade epidemiológica e sociopsicológica brasileira, recomendando que:

    • No caso de crianças de zero a 12 anos incompletos, o teste e a entrega dos exames anti-HIV sejam realizados somente na presença dos pais ou responsáveis;
    • No caso de adolescente de 12 a 18 anos, após uma avaliação de suas condições de discernimento, fica restrita à sua vontade a realização do exame, assim como a participação do resultado a outras pessoas.

    A Norma Técnica expedida no ano de 1999 pelo Ministério da Saúde para “Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes”, revisada e ampliada em 2005, regulamentou o atendimento ao aborto legal por meio do Sistema Único de Saúde, dando cumprimento à Resolução do Conselho Nacional de Saúde (Resolução n.º 258, de 6/11/1997) e o artigo 128 do Código Penal que autoriza o aborto nos casos de gravidez resultante de violência sexual. O serviço proposto na Norma Técnica não se limita à realização do aborto, mas executa atendimento amplo de todos os agravos resultantes de violência sexual.

    A Norma Técnica prevê a autorização do representante legal da adolescente apenas para os casos de aborto. Recomenda-se que, caso ocorra divergência entre a vontade da vítima e do seu responsável legal, deve prevalecer a vontade da adolescente. Porém, considerando o grau de complexidade da questão, a equipe deve encaminhar o caso para o Conselho Tutelar ou Promotoria da Infância e Juventude que deverão, por intermédio do devido processo legal, solucionar o impasse.

    O Código Penal Brasileiro, quando trata o Código Penal dos crimes contra a liberdade sexual e integridade física da pessoa, que inadequadamente denomina Crimes Contra os Costumes (crime de estupro, atentado violento ao pudor, sedução de menores, rapto), agrava a pena do infrator quando a vítima encontra-se na faixa etária de 14 a 21 anos, e presume crime qualquer ato sexual com menor de 14 anos, constituindo um critério etário para decidir sobre o exercício da sexualidade.

    Nos casos de gravidez em pessoa menor de 14 anos, em princípio, é permitida a realização do aborto em razão da presunção de violência e agravando a pena nos casos de crimes de estupro ou atentado violento ao pudor, quando a vítima estiver na faixa etária de 14 a 18 anos. A jurisprudência vem reduzindo o rigor do dispositivo, desde que fique comprovado o discernimento do adolescente para consentir a prática do ato sexual.

    O início da vida sexual dos adolescentes tem se tornado cada vez mais precoce. É importante que o profissional avalie o contexto no qual o adolescente está inserido e considerar sua solicitação. Se um adolescente procura um serviço de saúde com alguma questão relacionada a sua vida sexual, é importante que ele seja acolhido, ouvido e atendido (por exemplo: disponibilização de contraceptivos) mesmo que ele tenha menos do que 14 anos de idade e que não esteja acompanhado por um responsável (vide anexa Portaria 527/04 – SMS). Além disso, esse adolescente também deve ser convidado a participar de algum programa específico para essa faixa etária na Unidade de Saúde, para que tenha um espaço no qual possa discutir de forma mais ampla essa sua etapa de vida e as demandas correspondentes.

    As questões de saúde dos adolescentes, muitas vezes não estão relacionadas com patologias e sim com a organização de sua vida nos aspectos bio-psico-sociais. A saúde sexual e reprodutiva do adolescente causa tanta controvérsia porque os tabus que envolvem o sexo ainda estão muito arraigados em nossa cultura. Toda aparente liberação da prática sexual ainda carrega conceitos arcaicos sobre o direito ao exercício da vida sexual de cada um.

    O profissional de saúde deve tomar cuidado para não permear suas ações com crenças pessoais, impedindo o acesso do adolescente ao atendimento que lhe seja necessário. Deve ser feita uma avaliação sobre o nível de vulnerabilidade a que esse adolescente esteja exposto. A ação do profissional de saúde não deverá aumentar essa vulnerabilidade. Se o profissional não se sentir seguro para tomar uma decisão individualmente, é aconselhável que o faça após discutir com a equipe de trabalho. E se a situação for muito delicada e gerar muitas dúvidas, a equipe pode buscar ajuda com o Conselho Tutelar e/ou Vara da Infância.

    Bibliografia Consultada

    ▪ Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Área de Saúde do Adolescente e do Jovem. Marco Legal: Saúde, um Direito de Adolescentes. Série A. Normas e Manuais Técnicos. Brasília, 2005.

    AGRADECIMENTO: Especial agradecimento a Dra. Miriam Ventura, autora do texto “Marco Legal: Saúde, um Direito de Adolescentes”, pela sua luta incansável para garantir os direitos humanos, especialmente dos adolescentes.

    Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA

    ▪ Leis Orgânicas da Saúde: Lei nº 8.080, de 19/09/1990; Lei nº 8.142, de 28/12/1990

    ▪ Lei de Diretrizes e Bases da Educação: Lei nº 9.394, de 20/12/1996

    ▪ Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS: Lei nº 8.742, de 07/12/1993

    Lei nº 6.202, de 17/04/1975 – Gestante estudante

    Lei nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996 – Planejamento Familiar

    Código de Ética Médica

    Código Penal Brasileiro

    Lei nº 13.187, de 16 de outubro de 2001

    Portaria Municipal nº 295, de 17 de maio de 2004

    Portaria Municipal nº 527, de 19 de agosto de 2004

    Portaria Municipal nº 667, de 4 de novembro de 2004

    Lei nº 11.976, de 25 de agosto de 2005

    • Dr. Marcelo Meirelles
    – Médico Pediatra
    – Médico Hebiatra (Especialista em Medicina do Adolescente)
    – Psiquiatria na Infância e Adolescência




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