RESOLUÇÃO Nº 287,
DE 12 de MARÇO de 2024.
Dispõe sobre a atuação integrada do Ministério Público para a efetiva defesa e proteção das crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, conforme Lei n° 13.431, de 4 de abril de 2017, e Lei n° 14.344, de 24 de maio de 2022.
Capítulo II
Das Atribuições dos Membros do Ministério Público
Art. 3° Os membros do Ministério Público, atuando conjuntamente, no âmbito de suas atribuições, e em observância ao art. 3° do Decreto n° 9.603, de 10 de dezembro de 2018, e ao art. 5° da Lei n° 14.344/2022, deverão:
I – empreender esforços para exigir do Poder Público a implementação de programas, serviços e/ou outros equipamentos que proporcionem atenção e atendimento integral e interinstitucional às crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, compostos por equipes multidisciplinares especializadas, na forma do art. 2°, parágrafo único; art. 16°, parágrafo único, art. 17°, art. 18°, art. 19°, art. 20° e art. 23°, todos da Lei n° 13.431/2017;
II – atuar para que sejam elaborados, instituídos e divulgados fluxos intersetoriais e protocolos de atendimento para as diversas modalidades de violência previstas na Lei n° 13.431/2017, inclusive por ocasião de sua revelação espontânea, nos moldes do previsto no art. 4°, § 2° do citado diploma legal, bem como no art. 13°, § 2°, da Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990, e na Resolução n° 235/2023 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA);
III – fiscalizar:
a) no âmbito da saúde: se a atenção à saúde está sendo realizada por equipe multiprofissional do Sistema Único de Saúde (SUS), nos diversos níveis de atenção, englobado o acolhimento, o atendimento, o tratamento especializado, a notificação e o seguimento da rede (art. 10° do Decreto n° 9.603/2018), em consonância, dentre outras normas e protocolos, com a Lei n° 12.845, de 1° de agosto de 2013, o Decreto n° 7.958, de 13 de março de 2013 e a Portaria Interministerial n° 288, de 25 de março 2015;
b) no âmbito da assistência social: se os serviços, programas, projetos e benefícios estão organizados para prevenção das situações de vulnerabilidades, riscos e violações de direitos de crianças e de adolescentes e de suas famílias no âmbito da proteção social básica e especial (art. 12° do Decreto n° 9.603/2018) e se estão sendo observados os procedimentos descritos no art. 19° da Lei n° 13.431/2017;
c) no âmbito da educação: se estão sendo promovidas ações integradas visando à identificação da violência e à acolhida, bem como ações educativas preventivas, nos termos dos arts. 70°-A e 70°-B da Lei n° 8069/1990, art. 4°, § 2°, da Lei n° 13.431/2017, art. 11° do Decreto 9.603/2018 e art. 12°, IX, e 26°, § 9°, da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996;
d) no âmbito da segurança pública: se no atendimento de crianças e adolescentes em situação de violência estão sendo observados os arts. 20° a 22° da Lei n° 13.431/2017, o art. 13° do Decreto n° 9.603/2018, os arts. 11° a 14° da Lei n° 14.344/2022 e os arts. 10° a 12°-C da Lei n° 11.340/2006;
e) no âmbito dos conselhos de direitos: se estão sendo instituídos e efetivamente operando os comitês municipais colegiados da rede de cuidado e de proteção social das crianças e dos adolescentes vítimas ou testemunhas de violência definidos no art. 9°, I, do Decreto 9.603/2018 e na Resolução n° 235, de 12 de maio de 2023, do CONANDA, acompanhando as suas atividades;
f) no âmbito do conselho tutelar: se o órgão está inserido nos fluxos pactuados com os sistemas de justiça, segurança pública, assistência social, educação e saúde visando às ações articuladas, coordenadas e efetivas voltadas ao acolhimento e ao atendimento integral às vítimas de violência, conforme art. 14° da Lei n° 13431/2017, art. 14° do Decreto n° 9.603/18 e atribuições estabelecidas pelo art. 136° da Lei n° 8.069/1990;
g) no âmbito do sistema de justiça: se implementado o depoimento especial na comarca, com observância dos arts. 8°, 11° e 12° da Lei n° 13.431/2017 e arts. 22° a 26° do Decreto n° 9.603/2018; e se os procedimentos investigatórios e os processos decorrentes da situação de violência em tramitação nas esferas criminal, trabalhista, da violência doméstica, família, infância e adolescência e cível, tramitam com a celeridade e prioridade que lhes são devidas, observado o disposto nos arts. 5°, VIII e 14°, § 1°, V e VI, da Lei n° 13.431/2017; arts. 4°, caput e parágrafo único, alínea “b” e 100°, parágrafo único, II e VI, da Lei n° 8.069/1990 e art. 227°, caput, da Constituição Federal;
IV – zelar para que a escuta especializada, realizada no âmbito da rede local de proteção à criança e ao adolescente, seja efetuada por profissionais qualificados e com formação especializada, observadas as diretrizes legais, sua finalidade protetiva e de participação da criança e adolescente, garantindo-se o encaminhamento da vítima ou testemunha para os programas e serviços necessários para a proteção integral;
V – fomentar a criação dos mecanismos de informação, referência, contrarreferência e monitoramento previstos no art. 14°, § 1°, III, da Lei n° 13.431/2017, devendo ser definida uma sistemática que, de um lado, permita que os atendimentos prestados sejam registrados, na forma do art. 28° do Decreto n° 9.603/2018 e normas correlatas, com o compartilhamento de informações relevantes entre os diversos integrantes da rede de proteção e o Sistema de Justiça e, de outro, assegure o sigilo em relação a terceiros;
VI – cuidar para que haja permanente monitoramento de risco pela rede de proteção, atentando-se às situações de ameaça, intimidação ou outras interferências externas que possam comprometer a integridade física e/ou psíquica das crianças e adolescentes, bem como à vulnerabilidade indireta de outros membros de sua família, inclusive para inserção em programas de proteção às vítimas e testemunhas ameaçadas, ou outras possíveis providências, tais como as contempladas no art. 21° da Lei n° 13.431/2017 e na Lei n° 14.344/2022;
VII – fomentar e fiscalizar a oferta de formação interdisciplinar continuada, preferencialmente conjunta, aos profissionais do sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência e suas respectivas famílias.
Art. 4° Os membros do Ministério Público devem assegurar a proteção e a não revitimização das crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, nos casos em que a revelação espontânea se dê no âmbito do Ministério Público.
§ 1° A escuta da revelação espontânea deve se limitar ao que for livremente narrado pela criança ou adolescente, em local adequado e que seja respeitada sua autonomia e privacidade.
§ 2° Na hipótese de revelação espontânea da violência, a criança e o adolescente serão encaminhados, quando necessário, para confirmação dos fatos por meio da escuta especializada ou do depoimento especial, conforme dispõe o art. 4°, § 1°, da Lei n° 13.431/2017, salvo em caso de intervenções de saúde.
§ 3° Em respeito à revelação espontânea, o registro do ato deverá ser realizado apenas ao final da narrativa livre, para fins de notificação e encaminhamentos nos termos do parágrafo anterior.
Art. 5° O membro do Ministério Público com atribuição criminal, infracional ou cível deve, sempre que necessário o depoimento especial e com brevidade, promover o ajuizamento de ação cautelar de produção antecipada de provas em ação própria ou incidental na denúncia ou representação, ou na petição inicial, notadamente nas hipóteses obrigatórias previstas no art. 11°, § 1°, I e II, da Lei n° 13.431/2017, como forma de evitar a revitimização, preservar a qualidade da prova e prevenir o prejuízo causado pela ação do tempo ou de contaminações à memória.
§ 1° Quando realizado o depoimento especial, em sede de produção antecipada de prova em ação própria, o membro do Ministério Público deverá zelar para que este passe a integrar, com brevidade, o procedimento que serviu de fundamento para o ajuizamento da demanda cautelar, de forma a priorizar a adoção das medidas cabíveis, atentando para o resguardo do sigilo do seu conteúdo.
§ 2° Havendo necessidade de oitiva da criança ou do adolescente vítima ou testemunha sobre a violência perante a autoridade judiciária, o membro do Ministério Público deverá velar para que ela se dê na forma do depoimento especial, salvo na hipótese prevista no art. 12°, § 1°, da Lei n° 13.431/2017.
§ 3° O membro do Ministério Público deve zelar pela cientificação do investigado, oportunizando-lhe a constituição de advogado ou nomeação de defensor pelo juízo, caso não constitua, visando a assegurar o necessário contraditório real na produção antecipada de prova.
§ 4° No âmbito dos procedimentos investigatórios exclusivos do Ministério Público, de maneira excepcional, inexistindo elementos suficientes para a propositura de ação cautelar de produção de prova e sendo imprescindível a oitiva da vítima ou testemunha de violência, esta deve ser realizada por meio de depoimento especial, ressalvada a exceção prevista no art. 12°, § 1°, da Lei n° 13.431/2017.
Art. 6° O membro do Ministério Público deve cuidar para que a oitiva em juízo da criança e/ou adolescente vítima ou testemunha de violência seja realizada em sala de depoimento especial, por meio de profissional especializado, na forma do art. 11° e art. 12° da Lei n° 13.431/2017, zelando para que o depoimento não ocorra diretamente em sala de audiência pelo formato tradicional.
§ 1° O membro do Ministério Público deve velar para que a oitiva em juízo da criança e/ou adolescente vítima ou testemunha de violência pelo formato tradicional, por força do disposto no art. 12°, § 1°, da Lei n° 13.431/2017, somente ocorra em situações restritas, a seu pedido, após prestados os esclarecimentos devidos pela equipe técnica do juízo responsável pela realização do depoimento especial.
§ 2° Em caso de oitiva diretamente em juízo, devem ser tomadas todas as cautelas relativas à preparação prévia da vítima ou testemunha e seu resguardo quanto à presença do acusado, situações de ameaça, intimidação ou outras influências externas, assim como do comportamento inadequado dos atuantes no processo, dentre outros direitos e diretrizes relacionadas no art. 5° e art. 14°, da Lei n° 13.431/2017.
§ 3° Compete ao membro do Ministério Público zelar para que a criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência possa emitir seus desejos e opiniões livremente, inclusive o de se manter em silêncio, após devidamente esclarecida sobre os procedimentos e seus direitos.
§ 4° Quando o depoimento especial não for recomendado pela equipe técnica responsável, o membro do Ministério Público deve fiscalizar a efetiva avaliação preliminar por parte de técnico capacitado e seus fundamentos, com vistas a apontar qual o procedimento mais adequado para ser realizado no caso concreto.
§ 5° Se a recomendação pela não realização do depoimento especial for pautada na recusa, livre e informada, por parte da criança ou adolescente em depor, o membro do Ministério Público deve zelar para que seja respeitado esse direito, nos termos do art. 5°, VI, da Lei n° 13.431/2017 e art. 12° da Convenção sobre os Direitos da Criança.
§ 6° Em sendo realizado o depoimento especial, o membro do Ministério Público deve atentar para a plena observância do disposto no art. 5°, XV, da Lei n° 13.431/2017 em relação às crianças ou adolescentes com deficiência ou que falem idioma diverso do português, e o art. 17° do Decreto n° 9.603/2018, no tocante às crianças e adolescentes pertencentes a povos e comunidades tradicionais.
§ 7° Deve o membro do Ministério Público, em qualquer hipótese, zelar para que a vítima não tenha contato, ainda que visual, com o autor ou acusado ou com qualquer outra pessoa que represente ameaça, coação ou constrangimento.
Art. 7° Na eventualidade de ausência de estrutura na comarca para a realização do depoimento especial nos moldes do preconizado pelo art. 11° e art. 12°, da Lei n° 13.431/2017, o membro do Ministério Público deve observar as orientações da Corregedoria-Geral e da Procuradoria-Geral de Justiça da unidade ministerial.
Art. 8° Quando do fato que resultou a violência houver repercussão em mais de uma atribuição do Ministério Público, o depoimento especial deve ocorrer,
preferencialmente, no âmbito criminal.
Parágrafo único: Havendo necessidade de depoimento especial em Vara diversa da criminal, o membro do Ministério Público deve verificar a possibilidade de aproveitar a prova emprestada produzida ou a ser produzida no juízo criminal, nos termos do art. 2° desta Resolução, evitando-se a repetição do depoimento e de eventual perícia sobre os mesmos fatos, bem como a revitimização, resguardado o sigilo (arts. 11°, caput, e 12°, § 5°, da Lei n° 13.431/2017).
Art. 9° O membro do Ministério Público garantirá a proteção das vítimas por meio de requerimentos judiciais de aplicação de medidas protetivas de urgência ou sua revisão, de modo a preservar o direito das crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária, inclusive priorizando-se o afastamento do agressor em detrimento do afastamento da criança ou do adolescente do lar (art. 20° e art. 21° da Lei n° 14.344/2022, art. 21°, II, da Lei n° 13.431/2017, art. 130° da Lei n° 8.069/1990 e art. 319°, II e III, do CPP).
§ 1° O membro do Ministério Público, ao analisar as medidas protetivas de urgência, deve atentar para a vulnerabilidade da família, nos casos em que o agressor for também o provedor, a fim de pleitear as prestações de alimentos, nos termos do art. 130° da Lei n° 8.069/1990 e art. 20°, VII, da Lei n° 14.344/2022.
§ 2° O membro do Ministério Público deverá zelar para que o responsável legal pela criança ou pelo adolescente vítima ou testemunha de violência doméstica e familiar, desde que não seja o autor das agressões, seja notificado dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes às medidas protetivas aplicadas ou revisadas (art. 18° da Lei n° 14.344/2022).
• Dr. Marcelo Meirelles
– Médico Pediatra
– Médico Hebiatra (Especialista em Medicina do Adolescente)
– Psiquiatria na Infância e Adolescência