SEÇÃO I: Bioética
Capítulo IV: Atestado Médico – Aspectos Éticos e Jurídicos
Paulo Tadeu Falanghe
Tratado de Pediatria – Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) – 5ª edição (2022)
A SBP vem ampliando suas ações em várias vertentes, sobretudo na área de atualização científica de qualidade para os pediatras brasileiros. Uma dessas iniciativas é representada pela quinta edição do Tratado de Pediatria, que foi completamente revisada e atualizada nos últimos meses com cuidado para ser entregue àqueles que se incumbem de assistir às crianças e aos adolescentes.
Ao lado do prontuário médico, o atestado médico é um dos procedimentos mais comuns em atos administrativos da profissão médica. Várias são as situações em que eles são solicitados, desde informação de atendimento, condições clínicas, aptidão física, situações de doença, atestado pericial, afastamento do trabalho, saúde ocupacional, chegando até a declaração de óbito. Contudo, sempre, o atestado médico resulta de um ato médico realizado, sendo considerado parte do mesmo ato médico. Desvincular o atestado médico e o ato médico que o deve gerar é cometer ilícito ético passível de punição junto aos conselhos de medicina. Há a expressa informação ali exposta do ato clínico em que se desnuda a relação médico-paciente, bem como o sigilo envolvido.
Há evidente relação entre o ato médico e a emissão do respectivo atestado, porém não é infrequente médicos serem abordados para dar atestado sem o devido exame do paciente, como se correspondesse apenas a uma gentileza, ou seja, um ato simples, mesmo banal, livre de implicações éticas e legais.
Atestado Médico como Documento de Fé Pública
Antes de tudo é preciso entender e saber que o atestado médico é um documento de fé pública e é parte de um atendimento médico, logo requer a presença de um prontuário médico que respalde tal atestado. Dessa forma, há como se confirmar a veracidade do ato realizado e certificado com a emissão do atestado. É preciso compreender que, sendo parte do ato médico, é direito do paciente solicitá-lo, atendendo aos seus interesses pessoais e/ou profissionais.
A responsabilidade pela emissão do atestado médico é do profissional médico ativo devidamente habilitado e inscrito no Conselho Regional de Medicina (CRM), que deve receitá-lo em receituário próprio ou da instituição à qual está vinculado naquele atendimento, sem rasuras, garantindo sua validade legal e com letra legível, de tal forma que possa ser entendido pelo paciente, bem como pela pessoa ou instituição à qual o documento se destina. Pode ser digitado ou mesmo ter a forma de atestado digital com assinatura eletrônica através de e-CRM e certificação digital. Desta última forma, a veracidade pode ser confirmada e acessada facilmente por meios eletrônicos, revestindo de maior praticidade e controle dos atos ali discriminados em sua plenitude.
♦ Tipos de Atestado Médico
Vários são os tipos de atestados, que são documentos bem definidos e atendem uma determinada finalidade, seja pelo paciente ou seu representante legal. Basicamente, podem ser definidos em:
- Atestados de portador de doença: que pode ser, entre outros, atestado de comparecimento ou destinado ao acompanhante, ambos fornecidos de acordo com o livre-arbítrio do médico.
- Atestados de saúde ou sanidade: o atestado médico de condições de saúde presta-se a várias finalidades, desde a especificar atividade física permitida, atestado de portador de determinada necessidade especial, nutrição recomendada, facilitador e autorizador de viagens em avião, principalmente em situações especiais, atestado para gestantes, bem como avaliação para saúde ocupacional.
- Atestados de óbito.
Para Souza Lima, o atestado médico é “a afirmação simples, por escrito, de fato médico e suas consequências”. Neste documento se afirmam fatos ou situações que têm uma existência, uma obrigação.
Classificação dos Atestados
- Atestados oficiosos: ausência a uma atividade específica, normalmente solicitado pelo paciente para justificar sua ausência em alguma obrigação ou atividade.
- Atestados administrativos: como licença e abono de faltas.
- Atestados judiciários: que interessam à administração da justiça.
Responsabilidade do Médico pelo Conteúdo
Os pacientes podem solicitar um atestado médico, pois esse é um direito inquestionável. No entanto, o profissional é totalmente responsável pelo conteúdo do documento. Nele, devem estar refletidos pareceres técnicos da sua profissão. O médico precisa colocar no atestado aquilo que julga conveniente, desde que dentro dos princípios éticos que regem a profissão.
Diferença entre Atestado e Declaração Médica
Uma das dúvidas frequentes refere-se à existência de diferenças entre atestado médico e declaração médica. Embora se obtenham diferenças semânticas, na avaliação do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP), atestados e declarações médicas contam com o mesmo peso ético. Isso significa que inverdades e imprecisões em qualquer um dos dois podem acarretar infrações à ética.
♦ Regulamentação e Código de Ética Médica
A emissão do atestado médico está regulamentada pela Resolução CFM no 1.658/2002, alterada pela Resolução no 1.851/2008. O atestado médico é parte do ato médico, portanto, é dever do médico fornecer este importante documento para observar direito do paciente, sem que haja cobrança ou majoração de honorários para este fim.
Exatamente por ser uma questão de ética, o atestado médico está previsto no Código da profissão. Nele constam diretrizes sobre os princípios fundamentais, os direitos, a responsabilidade profissional, a relação entre paciente, médico e família, entre muitas outras questões.
Resolução do Código de Ética Médica
Em duas partes o Código de Ética Médica se refere especificamente ao atestado médico. No Capítulo III, em que são abordadas questões referentes à responsabilidade profissional, entre o que é vedado ao médico, está:
Art. 11o: receitar, atestar ou emitir laudos de forma secreta ou ilegível, sem a devida identificação de seu número de registro no Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição, bem como assinar em branco folhas de receituários, atestados, laudos ou quaisquer outros documentos médicos.
Assim, o atestado médico deve ser um documento legível, com assinatura e as devidas informações sobre o profissional que o emitiu. O uso do carimbo do médico em documentos não é obrigatório. A utilização de carimbo de médico em atestado ou mesmo prescrição é opcional. O Parecer no 1/2014 do CFM deixa claro que não há obrigatoriedade legal ou ética do uso do carimbo de identificação do profissional em documentos médicos.
Informações Relacionadas ao Diagnóstico
A informação do diagnóstico ou mesmo da Classificação Internacional de Doenças (CID) pode ser inoportuna, quando não corresponder ao desejo expresso do paciente. Por outro lado, há casos em que o próprio atendido solicita que a CID seja aposta ao atestado, sob o risco de o documento não ser aceito por quem de direito.
Incluir o diagnóstico no atestado médico a pedido de um paciente devidamente esclarecido sobre as consequências dessa revelação não contraria os postulados éticos, sendo que a atitude está contemplada no CEM, em seu Art. 73o:
É vedado ao médico: Art. 73o – Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente.
Vedação à Emissão Indevida de Atestado
O Capítulo X do CEM, que trata dos documentos médicos, em relação aos atestados, veda ao profissional:
- Art. 80o: expedir documento médico sem ter praticado ato profissional que o justifique, que seja tendencioso ou que não corresponda à verdade;
- Art. 81o: atestar como forma de obter vantagem;
- Art. 82o: usar formulários institucionais para atestar, prescrever e solicitar exames ou procedimentos fora da instituição a que pertençam tais formulários;
- Art. 83o: atestar óbito quando não o tenha verificado pessoalmente ou quando não tenha prestado assistência ao paciente, salvo, no último caso, se o fizer como plantonista, médico substituto ou em caso de necropsia e verificação médico-legal;
- Art. 84o: deixar de atestar óbito de paciente ao qual vinha prestando assistência, exceto quando houver indícios de morte violenta;
- Art. 91o: deixar de atestar atos executados no exercício profissional, quando solicitado pelo paciente ou por seu representante legal.
♦ Requisitos para Elaboração de Atestados
A Resolução relatada no 1.658/2002 do CFM, atualizada em 2008, reafirma o que foi apresentado no Código de Ética. Quanto à elaboração do atestado, o documento orienta o profissional a:
- I: especificar o tempo concedido de dispensa à atividade necessário para a recuperação do paciente;
- II: estabelecer o diagnóstico, quando expressamente autorizado pelo paciente;
- III: registrar os dados de maneira legível;
- IV: identificar-se como emissor, mediante assinatura e carimbo ou número de registro no Conselho Regional de Medicina.
O atestado médico deve ser fornecido com a data do efetivo atendimento prestado, constante em prontuário, sob pena de induzir a erro a pessoa à qual deverá ser apresentado o documento, portanto é proibido atestado retroativo.
Atestados Periciais
Nos atestados periciais, em conformidade com o que determina a resolução do CFM, exigem-se mais informações no próprio atestado como, além do diagnóstico, os resultados dos exames complementares, a conduta terapêutica, o prognóstico, as consequências à saúde do paciente e o provável tempo de repouso estimado necessário para a sua recuperação, que complementará o parecer fundamentado do médico perito, a quem cabe legalmente a decisão de benefícios a serem concedidos.
Conveniente também que se ressalte o artigo 4º da dita Resolução CFM no 1658/02:
É obrigatória, aos médicos, a exigência de prova de identidade aos interessados na obtenção de atestados de qualquer natureza envolvendo assuntos de saúde ou doença.
§ 1o – Em caso de menor ou interdito, a prova de identidade deverá ser exigida de seu responsável legal.
§ 2o – Os principais dados da prova de identidade deverão obrigatoriamente constar dos referidos atestados.
Sendo o atestado médico um documento de fé pública, existe uma presunção de veracidade em sua natureza, pois está intimamente ligado à ética profissional. Dessa forma, ele é considerado verdadeiro até que se prove o contrário. No entanto, não são raras as notícias veiculadas pelos CRM tratando de médicos que foram penalizados por emissão de atestado falso ou cobrança indevida.
Atestados para Acompanhantes
No caso do atestado para acompanhante, frequentemente solicitado, inexiste qualquer previsão legal referente a esse tipo de atestado, que seria o fornecimento de atestados para que os responsáveis legais por um paciente se afastem de seus trabalhos para prestar-lhe assistência. Mesmo não havendo tal obrigação legal para que o médico emita um atestado de acompanhamento, ele tem o dever de atestar: o estado de saúde da pessoa doente; a necessidade de tratamento; tempo de afastamento do paciente e se ele precisa ou não de acompanhante.
♦ Consequências Éticas e Legais
O médico, ao emitir um atestado, deve estar ciente de que seu ato envolve questões éticas, legais e técnicas. Além dos documentos e das resoluções próprias da medicina, outras disciplinas abordam a emissão de atestado e as penalidades em caso de fraude:
- Código Penal – Art. 302o: segundo ele, a pena é de 1 mês a 1 ano de detenção; se emitido para a obtenção de lucro, ainda é cobrada uma multa a ser definida.
- Código Civil – Art. 187o: considera como ato ilícito aquele que tem um direito e excede os limites legais deste.
- Constituição Federal – Art. 5o inciso XIII: a Constituição é ferida quando o atestado é emitido por pessoas que não são profissionais de medicina ou não têm registro junto ao Conselho de Medicina.
Aspecto Penal da Emissão de Atestados Falsos
O aspecto penal envolvido na matéria atestado médico tipifica o crime em conformidade com o previsto no citado artigo 302 do Código Penal pela emissão de atestado falso. Na busca das causas dos abusos verificados na emissão dos atestados médicos, há quem advogue ser a impunidade um dos principais motivos de não se reverter a prática delituosa. Embora não se possa considerar a ocorrência de tal impunidade, cumpre registrar que os conselhos regionais não têm poupado severas punições aos médicos, sendo possível que o número de casos seja pequeno, diante do universo de abusos cometidos.
A tarefa de preencher um atestado médico pertence aos médicos, ainda que seja em documento padrão com lacunas completadas caso a caso, não devendo ser delegada nem mesmo para um funcionário do profissional. Além do médico, o único profissional que pode fornecer atestado, por exemplo, para afastamento do trabalho é o dentista, conforme a Resolução citada do próprio CFM – observando-se que, quando fornecido pelo dentista, se trata de um “atestado odontológico”, e não de um “atestado médico”. Por outro lado, um simples “comprovante de comparecimento” – fornecido, de maneira não obrigatória, aos pacientes e acompanhantes – não deve ser equiparado ao atestado médico, nem o substituir. Portanto, não há inconvenientes em ser preenchido pelo funcionário do serviço médico ou do consultório.
Em resumo, para se emitir o atestado é necessário sempre observar:
- Médico habilitado na forma da lei.
- Ser subscrito (assinado) pelo médico que examinou o paciente.
- Linguagem simples, clara e de conteúdo verídico.
- Omitir a revelação explícita do diagnóstico, salvo quando for caso de dever legal (sob solicitação judicial), justa causa ou pedido expresso do paciente, e informar as recomendações médicas pertinentes (se há necessidade de afastamento do trabalho e por quanto tempo).
Além disso, outras questões são postas, como o veto à cobrança pelo documento e sempre ter um prontuário médico que vincule e formalize a emissão do atestado.
Conclui-se que o atestado médico, que muitas vezes é considerado como um simples ato corriqueiro do profissional-médico, é de suma importância, devendo ser emitido de maneira adequada e correta para alcançar seu fim social e evitar futuros transtornos que podem demandar processos judiciais de ordens ética, cível e penal.
Referências Bibliográficas
• SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Tratado de Pediatria. 5. ed. Barueri: Manole, 2022.
• Dr. Marcelo Meirelles
– Médico Pediatra
– Médico Hebiatra (Especialista em Medicina do Adolescente)
– Psiquiatria na Infância e Adolescência