Transtornos de Ansiedade
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-5-TR: Texto Revisado (2023)
Recurso imprescindível para o diagnóstico e a classificação de transtornos mentais, seja na prática clínica, seja na pesquisa na área de saúde mental. Com contribuições de mais de 200 especialistas e baseado na literatura científica mais recente, o DSM-5-TR traz os códigos da CID-10-MC implementados desde 2013 e apresenta um novo transtorno na Seção II – o transtorno do luto prolongado. Além disso, os textos de todos os transtornos foram amplamente revisados, incluindo as seções sobre características associadas, desenvolvimento e curso, fatores de risco e prognóstico, questões diagnósticas relativas à cultura, questões diagnósticas relativas ao sexo e ao gênero, marcadores diagnósticos, associação com pensamentos e comportamentos suicidas, diagnóstico diferencial e muito mais. Este manual é recurso fundamental para psiquiatras e demais profissionais da saúde, incluindo psicólogos, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, bem como assistentes sociais e especialistas forenses e legais.
Os transtornos de ansiedade incluem aqueles que compartilham características de medo e ansiedade excessivos e perturbações comportamentais relacionadas. Medo e ansiedade de sobrepõe, mas também diferem um do outro. Às vezes, o nível de medo ou ansiedade é reduzido por comportamentos de evitação generalizada.
• Medo: é a resposta emocional a uma ameaça real ou percebida como iminente. Mais frequentemente associado a surtos de excitação autonômica necessária para lutar ou fugir, pensamentos de perigo iminente e comportamentos de fuga.
• Ataques de pânico: destacam-se nos transtornos de ansiedade como um tipo particular de resposta de medo. Não se limitam aos transtornos de ansiedade, podendo ser observados também em outros transtornos mentais.
• Ansiedade: é a antecipação de uma ameaça futura. Mais frequentemente associada à tensão muscular e vigilância na preparação para um perigo futuro, além de comportamentos cautelosos ou de evitação.
Embora os transtornos de ansiedade tendam a ser altamente comórbidos entre si, podem ser diferenciados por uma análise detalhada dos tipos de situações temidas ou evitadas e do conteúdo dos pensamentos ou crenças associadas. Os transtornos de ansiedade diferenciam-se uns dos outros pelos tipos de objetos ou situações que induzem medo, ansiedade ou comportamentos de evitação, e pelas ideações cognitivas associadas.
Os transtornos de ansiedade diferem do medo ou ansiedade normativos do desenvolvimento por:
• serem excessivos: como os indivíduos com transtornos de ansiedade geralmente superestimam o perigo nas situações que temem ou evitam, a determinação principal de se o medo ou a ansiedade são excessivos ou desproporcionais é feita pelo clínico, levando em consideração fatores contextuais culturais.
• persistirem além dos períodos apropriados ao desenvolvimento: eles diferem do medo ou ansiedade transitórios, frequentemente induzidos por estresse, por serem persistentes (por exemplo, geralmente durando 6 meses ou mais), embora o critério de duração seja destinado a servir como um guia geral, permitindo certa flexibilidade, sendo às vezes de menor duração em crianças (como no transtorno de ansiedade de separação e mutismo seletivo).
Muitos dos transtornos de ansiedade se desenvolvem na infância e tendem a persistir se não tratados. A maioria ocorre com mais frequência em meninas do que em meninos (aproximadamente 2:1). Cada transtorno de ansiedade é diagnosticado apenas quando os sintomas não são atribuíveis aos efeitos fisiológicos de uma substância/medicamento ou a outra condição médica, ou não são mais bem explicados por outro transtorno mental.
Tipos de Transtornos de Ansiedade
• Transtorno de Ansiedade de Separação: o indivíduo com transtorno de ansiedade de separação tem medo ou ansiedade relacionados à separação das figuras de apego em um grau que é inadequado para o seu desenvolvimento. Há medo ou ansiedade persistentes sobre danos que possam ocorrer às figuras de apego e eventos que possam levar à perda ou separação das figuras de apego, além de relutância em afastar-se delas, pesadelos e sintomas físicos de angústia. Embora os sintomas muitas vezes se desenvolvam na infância, eles podem ser expressos ao longo da vida adulta, mesmo na ausência de um histórico de transtorno de ansiedade de separação na infância.
• Mutismo Seletivo: o mutismo seletivo é caracterizado pela incapacidade consistente de falar em situações sociais nas quais há expectativa de fala (por exemplo, na escola), embora o indivíduo fale em outras situações. A falha em falar tem consequências significativas no desempenho acadêmico ou ocupacional, ou interfere de outra forma na comunicação social normal.
• Fobia Específica: indivíduos com fobia específica sentem medo ou ansiedade em relação a objetos ou situações circunscritas, ou evitam esses objetos ou situações. Uma ideação cognitiva específica não é característica desse transtorno, como ocorre em outros transtornos de ansiedade. O medo, a ansiedade ou a evitação são quase sempre imediatamente induzidos pela situação fóbica, de forma que é persistente e desproporcional ao risco real que representa. Existem vários tipos de fobias específicas: animais; ambiente natural; sangue-injeção-ferimento; situacional; e outras situações.
• Transtorno de Ansiedade Social: no transtorno de ansiedade social, o indivíduo sente medo ou ansiedade em relação a interações sociais e situações que envolvem a possibilidade de ser observado. Essas incluem interações sociais, como encontrar pessoas desconhecidas, situações em que o indivíduo pode ser observado comendo ou bebendo, e situações em que o indivíduo se apresenta diante de outras pessoas. A aideação cognitiva envolve o medo de ser avaliado negativamente pelos outros, de ser envergonhado, humilhado, rejeitado ou de ofender outras pessoas.
• Síndrome do Pânico: no transtorno do pânico, o indivíduo experimenta ataques de pânico recorrentes e inesperados, e fica persistentemente preocupado ou ansioso com a possibilidade de ter mais ataques de pânico ou muda seu comportamento de maneira mal-adaptativa por causa dos ataques de pânico (por exemplo, evitando exercícios ou locais desconhecidos). Ataques de pânico são surtos abruptos de medo intenso ou desconforto intenso que atingem o pico em minutos, acompanhados de sintomas físicos e/ou cognitivos. Ataques de pânico com sintomas limitados incluem menos de quatro sintomas. Os ataques de pânico podem ser esperados, como em resposta a um objeto ou situação geralmente temidos, ou inesperados, quando ocorrem sem motivo aparente. Os ataques de pânico funcionam como um marcador e fator prognóstico para a gravidade do diagnóstico, evolução e comorbidade em uma série de transtornos, incluindo, mas não se limitando a, transtornos de ansiedade, uso de substâncias, depressivos e psicóticos. O especificador “com ataques de pânico” pode ser utilizado para ataques de pânico que ocorrem no contexto de qualquer transtorno de ansiedade, bem como outros transtornos mentais (por exemplo, transtornos depressivos, transtorno de estresse pós-traumático).
• Agorafobia: indivíduos com agorafobia sentem medo e ansiedade em várias situações diferentes, e os critérios diagnósticos requerem sintomas em duas ou mais das seguintes situações: usar transporte público, estar em espaços abertos, estar em locais fechados, ficar em filas ou estar em meio a uma multidão, ou estar fora de casa sozinho em outras situações. O indivíduo teme essas situações por pensamentos de que pode ser difícil escapar ou de que a ajuda pode não estar disponível no caso de desenvolver sintomas semelhantes aos de pânico ou outros sintomas incapacitantes ou embaraçosos. Essas situações consistentemente induzem medo ou ansiedade e são frequentemente evitadas ou requerem a presença de um acompanhante.
• Transtorno de Ansiedade Generalizada: as principais características do transtorno de ansiedade generalizada são ansiedade e preocupação persistentes e excessivas em relação a vários domínios, incluindo desempenho no trabalho e na escola, que o indivíduo acha difícil de controlar. Além disso, o indivíduo experimenta sintomas físicos, como inquietação ou sensação de estar com os nervos à flor da pele; cansaço fácil; dificuldade de concentração ou mente em branco; irritabilidade; tensão muscular; e distúrbios do sono.
• Transtorno de Ansiedade Induzido por Substâncias/Medicamentos: o transtorno de ansiedade induzido por substâncias/medicamentos envolve ansiedade devido à intoxicação por substância ou abstinência, ou a um tratamento medicamentoso. No transtorno de ansiedade devido a outra condição médica, os sintomas de ansiedade são consequência fisiológica de outra condição médica.
• Transtorno de Ansiedade Devido a Outra Condição Médica
• Outro Transtorno de Ansiedade Especificado
• Transtorno de Ansiedade Não Especificado
Escalas específicas para cada transtorno estão disponíveis para caracterizar melhor a gravidade de cada transtorno de ansiedade e capturar a mudança de gravidade ao longo do tempo. Para facilitar o uso, especialmente para indivíduos com mais de um transtorno de ansiedade, essas escalas foram desenvolvidas com o mesmo formato (mas com foco diferente) para os transtornos de ansiedade, com classificações de sintomas comportamentais, cognitivos e físicos relevantes para cada transtorno.
Indivíduos com ansiedade podem ser mais propensos a ter pensamentos suicidas, tentar suicídio e morrer por suicídio do que aqueles sem ansiedade. O transtorno do pânico, o transtorno de ansiedade generalizada e a fobia específica foram identificados como os transtornos de ansiedade mais fortemente associados à transição de pensamentos suicidas para a tentativa de suicídio.
Cognição: é o conjunto de processos psicológicos usados no pensamento que realizam o reconhecimento, a organização e a compreensão das informações provenientes dos sentidos, para que posteriormente o julgamento através do raciocínio os disponibilize ao aprendizado de determinados sistemas e soluções de problemas.
♦ Tratamento dos Transtornos de Ansiedade em Geral
O tratamento dos transtornos de ansiedade na infância e adolescência visa:
• reduzir a ansiedade e seus sintomas: a um ponto em que não interfiram mais no funcionamento social ou escolar, no funcionamento familiar ou no desenvolvimento normal da criança;
• aumentar a capacidade da criança e da família de identificar e lidar com as preocupações improdutivas e prejudiciais;
• aumentar a capacidade da criança de sentir ansiedade sem ter de expressá-la de maneiras disfuncionais.
Intervenção precoce em famílias de risco
Desde muito cedo na vida é possível promover a prevenção da intensidade da manifestação clínica dos transtornos de ansiedade por meio da intervenção precoce em famílias de risco. A intervenção consiste:
• na identificação precoce de crianças de alto risco: crianças com inibição de conduta, tímidas, com apego inseguro, pais ansiosos;
• no acompanhamento e orientação dos pais para o estabelecimento de um bom vínculo;
• na promoção de uma parentalidade adequada e de estratégias positivas de cuidados;
Pode ser feita orientação aos pais visando à busca de soluções assertivas e não evitativas, com o objetivo de encorajar as oportunidades de interação e melhorar as habilidades sociais.
Na adolescência, é necessário estar atento para o uso secundário de álcool como uma tentativa de lidar com a timidez e a fobia social.
Um trabalho conjunto com a escola, em função da alta prevalência desses transtornos e suas manifestações no âmbito escolar, favorece os resultados. Quando ocorre recusa escolar, o retorno à escola deve ser obtido o mais rápido possível.
O tratamento de crianças e adolescentes com transtornos de ansiedade requer um somatório de estratégias terapêuticas. Deve-se:
• investir na educação dos pais a respeito dos sintomas, do curso clínico, das opções de tratamento e do prognóstico, o que ajuda muito na formação da aliança terapêutica; eles e a criança devem entender o transtorno e os fatores que predispõem, precipitam e perpetuam os sintomas;
• informar as crianças sobre sua doença de um modo que seja apropriado para o seu nível de desenvolvimento;
• ensinar aos familiares técnicas específicas para ajudar no tratamento dos sintomas da criança.
Finalmente, como as crianças ansiosas costumam ter pais ansiosos, estes devem ser instruídos com relação à natureza familiar desses transtornos. Os familiares devem estar seguros de que as intervenções adequadas podem levar a um resultado favorável para todos. Também se deve prestar consultoria para os professores da escola e outros profissionais de saúde que prestam atendimento primário à criança ou ao adolescente.
A seleção de uma modalidade específica de tratamento para uma determinada criança ou família envolve considerações sobre estressores psicossociais, fatores de risco, severidade e prejuízos do transtorno de ansiedade e transtornos comórbidos, idade e nível de funcionamento da criança e da família. Os transtornos de ansiedade na infância têm um bom prognóstico quando tratados com psicoterapia baseada em evidências e/ou com medicamentos.
Abordagens psicoterápicas
As abordagens psicoterápicas utilizadas no tratamento dos transtornos de ansiedade na infância e na adolescência incluem:
• psicanálise;
• psicoterapia de orientação analítica;
• terapia cognitivo-comportamental;
• terapia familiar;
• psicoterapia de apoio;
• outras formas de psicoterapia.
Psicoterapia Psicodinâmica
O tratamento psicoterápico de orientação dinâmica enfoca o conflito por meio da terapia do brinquedo e das entrevistas individuais, trabalha as defesas e identificações patológicas, avalia os estressores e visa a modificar a dinâmica intrapsíquica e familiar.
Os terapeutas psicodinâmicos entendem a ansiedade como decorrente do conflito psíquico entre poderosas forças inconscientes que buscam expressão e forças opostas que impedem seu surgimento. O conflito produz uma ansiedade de alarme ou ansiedade-sinal, inconsciente, que colocam em ação os mecanismos de defesa do ego. Assim, o conflito produz ansiedade, que resulta em defesa, levando a um compromisso entre o id e o ego. A partir do conflito surge o sintoma, constituindo uma formação de compromisso que, ao mesmo tempo, defende contra o surgimento do desejo proveniente do id e o gratifica de forma simbólica.
O objetivo da psicoterapia psicodinâmica é trazer a ansiedade para níveis funcionais, com a utilização de defesas mais maduras, para que a criança retome a trajetória saudável do seu desenvolvimento.
Numerosos estudos de caso indicam benefícios da psicoterapia psicodinâmica, porém existem escassas pesquisas sobre a eficácia e a efetividade da psicoterapia psicodinâmica sozinha, em tratamentos combinados ou comparada a outras modalidades.
Terapia Cognitivo-Comportamental
Dos tratamentos psicossociais para crianças e adolescentes com ansiedade, a terapia cognitivo-comportamental é a que apresenta maiores evidências na literatura. Programas manualizados de terapia cognitivo-comportamental para crianças com ansiedade consistem geralmente em 10 a 20 sessões de 1 hora direcionadas individualmente à criança, à família ou em formato de grupo.
As terapias comportamentais abordam os comportamentos explícitos do paciente e enfatizam o tratamento no contexto da família e da escola, em vez de focarem conflitos intrapsíquicos ou etiológicos. A terapia cognitivo-comportamental envolve uma abordagem de controle do comportamento com ênfase em mudar as cognições relacionadas à ansiedade do paciente. Baseia-se em princípios clássicos operantes e de aprendizado social e enfatiza a informação corretiva sobre a natureza da ansiedade e do estímulo que causa medo (psicoeducação), além de orientar técnicas de manejo somático (identificação de sentimentos, respiração diafragmática e progressivo relaxamento muscular).
A terapia cognitivo-comportamental auxilia na identificação de pensamentos mal-adaptativos, estimulando o pensamento focalizado (reestruturação cognitiva). Ensina técnicas como a exposição gradual, sistemática e controlada a situações e estímulos que provoquem medo. O ritmo em que a criança e o terapeuta progridem no enfrentamento dos estímulos mais temidos depende do sucesso alcançado em sobrepor o medo dos estímulos provocadores de intensidade mais leve.
A exposição (real ou imaginária) objetiva oferecer ao paciente a oportunidade de praticar novas técnicas de enfrentamento em um ambiente seguro e controlado e capacitar a criança para lidar com a ansiedade.
Com relação ao tratamento do mutismo seletivo, algumas das terapias mais usadas são:
- Terapia sistêmica familiar, envolvendo os membros da família como unidade, proporcionando uma modificação na comunicação e nos modelos de interação dentro desta;
- Terapia comportamental, centrada em fatores presentes e na relação entre a pessoa e o meio, para induzir o comportamento pretendido;
- Terapia psicodinâmica, que envolve o uso de interações verbais, de jogos e de arteterapia para fazer emergir o conflito inconsciente que conduz à identificação do comportamento problema para a posterior minimização ou resolução.
Referências Bibliográficas
• AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-5-TR. 5. ed., Texto Revisado. Arlington, VA: American Psychiatric Publishing, 2022.
• Dr. Marcelo Meirelles
– Médico Pediatra
– Médico Hebiatra (Especialista em Medicina do Adolescente)
– Psiquiatria na Infância e Adolescência