Pular para o conteúdo

Anorexia Nervosa




    Os transtornos alimentares são caracterizados pela insatisfação com o corpo relacionada à supervalorização de um corpo magro ideal associado a padrões disfuncionais de cognição e comportamentos de controle de peso que resultam em complicações biológicas, psicológicas e sociais significativas.

    Embora os transtornos alimentares em grande parte afetem meninas brancas adolescentes, eles também afetam meninos e cruzam todas as fronteiras raciais, étnicas e culturais. A intervenção precoce melhora a evolução.

    A anorexia nervosa envolve significativa superestimação do tamanho e da forma corporal, com incansável busca pelo emagrecimento que, normalmente, combina dieta excessiva e exercícios compulsivos no subtipo restritivo.

    Prevalência da Anorexia Nervosa

    As características clássicas da anorexia nervosa incluem garota na adolescência inicial ou intermediária, de inteligência acima da média e com bom status socioeconômico, que é perfeccionista, evita conflitos e riscos, luta com distúrbios de ansiedade e/ou humor.

    A prevalência de 12 meses de anorexia nervosa entre jovens do sexo feminino é de aproximadamente 0,4%, o que provavelmente reflete um viés na amostragem e um subdiagnóstico em casos que não se encaixam no perfil típico.

    Faixa etária: começa geralmente durante a adolescência ou na idade adulta jovem. Raramente se inicia antes da puberdade ou depois dos 40 anos, porém casos de início precoce e tardio já foram descritos.

    Gênero: pacientes do sexo feminino representam cerca de 90% dos pacientes com diagnóstico de transtorno alimentar. Pouco se sabe a respeito da prevalência de anorexia nervosa entre indivíduos do sexo masculino, mas o transtorno é bem menos comum no sexo masculino do que no feminino, com populações clínicas em geral refletindo uma proporção feminino-masculino de aproximadamente 10:1.

    O dimorfismo sexual está presumivelmente relacionado ao fato de as meninas têm relação mais forte entre imagem corporal e autoavaliação, bem como pela influência da cultura ocidental de ideal de corpo magro no desenvolvimento dos transtornos alimentares.

    Raça e a etnia: parecem moderar a associação entre fatores de risco e transtornos alimentares, com meninas afroamericanas e do Caribe relatando menor insatisfação com o corpo e menos dietas do que as meninas brancas hispânicas e não hispânicas.

    Risco de suicídio: é elevado na anorexia nervosa, com taxas de 12 por 100.000 por ano. A avaliação abrangente de indivíduos com anorexia nervosa deve incluir a determinação de ideação e comportamentos suicidas, bem como de outros fatores de risco para suicídio, incluindo história de tentativa(s) de sucídio.

    Como a aceitação pelos colegas é fundamental para o crescimento e o desenvolvimento saudável dos adolescentes, especialmente no início da adolescência, quando a anorexia nervosa tende a ter seu pico de prevalência inicial, o potencial de influência dos colegas nos transtornos alimentares é significativo, como são os relacionamentos entre os colegas, a imagem corporal e comer. Ser alvo da gozação dos colegas ou de membros da família (especialmente masculinos) pode ser um fator contribuinte para as meninas com sobrepeso.

    Fatores de Risco para Anorexia Nervosa

    Nenhum fator por si só causa o desenvolvimento de um transtorno alimentar. Estudos socioculturais indicam complexa interação entre cultura, etnia, gênero, colegas e família.

    Temperamentais: indivíduos que desenvolvem transtornos de ansiedade ou exibem traços obsessivos na infância estão em risco maior de desenvolver anorexia nervosa.

    Ambientais: a variabilidade histórica e transcultural na prevalência de anorexia nervosa corrobora sua associação com culturas e contextos que valorizam a magreza. Ocupações e trabalhos que incentivam a magreza, como modelo e atleta de elite, também estão associados a um risco maior.

    A influência da família no desenvolvimento de transtornos alimentares é ainda mais complexa devido à interação de fatores ambientais e genéticos. Elementos compartilhados do ambiente familiar e fatores genéticos imutáveis são responsáveis pela variância significativa em transtornos alimentares.

    Existem associações entre os comportamentos alimentares de pais e filhos. Níveis de atividade física e dieta sugerem o reforço dos pais nas mensagens da sociedade em relação ao corpo. Há poucas evidências de que os pais “causem” um transtorno alimentar nas crianças ou adolescentes. A importância dos pais no tratamento e recuperação não pode ser superestimada.

    Genéticos: existe risco maior de anorexia e bulimia nervosas entre parentes biológicos de primeiro grau de indivíduos com o transtorno. Também foi observado risco maior de transtornos bipolares e depressivos entre parentes de primeiro grau de indivíduos com anorexia nervosa, em particular parentes daqueles com o tipo compulsão alimentar purgativa. As taxas de concordância para anorexia nervosa em gêmeos monozigóticos são significativamente mais altas do que as de gêmeos dizigóticos.

    A influência dos fatores hereditários genéticos sobre a emergência de transtornos alimentares durante a adolescência também é significativa, mas não de forma direta. Pelo contrário, o risco para o desenvolvimento de um transtorno alimentar parece ser mediado pela predisposição genética para a ansiedade, depressão ou traços obsessivo-compulsivos que podem ser modulados através do meio interno da puberdade.

    Fisiológicos: uma gama de anormalidades cerebrais foi descrita na anorexia nervosa usando tecnologias de imagem funcional (imagem por ressonância magnética funcional, tomografia por emissão de pósitrons). O grau em que esses achados refletem mudanças associadas a desnutrição versus anormalidades primárias associadas a esse transtorno não está claro.

    Patologia e Patogênese da Anorexia Nervosa

    O surgimento de transtornos alimentares coincide com os processos da adolescência (p. ex., puberdade, identidade, autonomia, cognição), o que sugere um papel central de desenvolvimento.

    Uma história de trauma sexual não é significativamente mais comum em disfunções orgânicas do que na população em geral, mas, quando presente, torna a recuperação mais difícil, e é mais comum na bulimia nervosa.

    Os transtornos alimentares podem ser vistos como uma via final comum, com:
    – fatores predisponentes: aumentam o risco de desenvolver um transtorno alimentar;
    – fatores precipitantes: frequentemente relacionados a processos de desenvolvimento da adolescência, desencadeiam o surgimento de transtornos alimentares;
    – fatores perpetuantes: fazem com que o transtorno alimentar persista.

    Os transtornos alimentares geralmente começam como dieta, mas progridem para hábitos não saudáveis ​​que diminuem o impacto negativo de problemas psicossociais associados aos quais a pessoa afetada é vulnerável devido às características biológicas e psicológicas pré-mórbidas, interações familiares e ambiente social.

    Quando persistentes, os efeitos biológicos da fome e desnutrição (por. ex., perda de apetite, hipotermia, atonia gástrica, amenorreia, distúrbios do sono, fadiga, fraqueza e depressão) associados às recompensas psicológicas do aumento do senso de domínio e redução da reatividade emocional, mantêm e recompensam os comportamentos patológicos do transtorno alimentar.

    Esse reforço positivo de comportamentos e consequências, geralmente visto pelos outros como negativo, ajuda a explicar o porquê de as pessoas afetadas negarem caracteristicamente a existência de um problema e resistirem ao tratamento. Embora nociva, a purgação pode reduzir a ansiedade provocada pelo excesso de comida. Também pode resultar em melhora do humor, associada à liberação de neurotransmissores.

    Além da liberação de neurotransmissores, principalmente serotonina e a dopamina, há alterações na anatomia funcional que sustentam o conceito de transtornos alimentares como distúrbios cerebrais. A relação de causa e efeito nas alterações do sistema nervoso central e sua reversibilidade ainda não é clara.

    Desenvolvimento e Curso da Anorexia Nervosa

    A anorexia nervosa começa geralmente durante a adolescência ou na idade adulta jovem. Raramente se inicia antes da puberdade ou depois dos 40 anos, porém casos de início precoce e tardio já foram descritos.

    O início desse transtorno costuma estar associado a um evento de vida estressante, como deixar a casa dos pais para ingressar na universidade. O curso e o desfecho da anorexia nervosa são altamente variáveis.

    Indivíduos mais jovens podem manifestar aspectos atípicos, incluindo a negação do “medo de gordura”. Indivíduos mais velhos tendem a ter duração mais prolongada da doença, e sua apresentação clínica pode incluir mais sinais e sintomas de transtorno de longa data. Os clínicos não devem excluir anorexia nervosa do diagnóstico diferencial com base apenas em idade mais avançada.

    Muitos indivíduos apresentam um período de mudança no comportamento alimentar antes de preencherem todos os critérios para o transtorno.

    Alguns com anorexia nervosa se recuperam inteiramente depois de um único episódio, alguns exibem um padrão flutuante de ganho de peso seguido por recaída, e outros ainda experienciam um curso crônico ao longo de muitos anos.

    A hospitalização pode ser necessária para recuperar o peso e tratar complicações clínicas. A maioria dos indivíduos com anorexia nervosa sofre remissão dentro de cinco anos depois da manifestação inicial do transtorno. Entre os admitidos ao hospital, as taxas de remissão podem ser menores.

    A taxa bruta de mortalidade (TBM) para anorexia nervosa é de cerca de 5% por década. A morte resulta mais comumente de complicações clínicas associadas ao próprio transtorno ou de suicídio.

    Consequências funcionais: indivíduos com anorexia nervosa podem exibir uma gama de limitações funcionais associadas ao transtorno. Enquanto alguns permanecem ativos no funcionamento social e profissional, outros demonstram isolamento social significativo e/ou fracasso em atingir o nível acadêmico ou profissional potencial.

    Complicações da Anorexia Nervosa

    Nenhum órgão é poupado dos efeitos nocivos dos hábitos disfuncionais de controle de peso, mas os alvos mais preocupantes das complicações médicas são:

    Coração: alguns achados cardíacos nos transtornos alimentares (por. ex., bradicardia sinusal e hipotensão) são adaptações fisiológicas à fome que visam conservar calorias e reduzir a pós-carga. Acrocianose e enchimento capilar lentificado, que podem resultar em perfusão tecidual insuficiente para atender às demandas, também representam respostas conservadoras de energia associadas à ingestão inadequada. Todas essas alterações agudas são reversíveis com a restauração da nutrição e do peso.

    Alterações significativas no pulso ortostático, intervalo QT prolongado, disritmias ventriculares ou contratilidade miocárdica reduzida refletem o comprometimento miocárdico que pode ser letal. Além disso, com peso extremamente baixo, a síndrome da realimentação (resultado da queda rápida do fósforo sérico, magnésio e potássio com reintrodução excessiva de calorias, especialmente carboidratos), está associada à insuficiência cardíaca aguda e a sintomas neurológicos. Com a desnutrição a longo prazo, o miocárdio parece ser mais propenso a taquiarritmias, a segunda causa mais comum de morte após o suicídio. Na bulimia nervosa, as disritmias também podem estar relacionadas ao desequilíbrio eletrolítico.

    Cérebro: clinicamente, a área cerebral primariamente afetada de forma aguda nos transtornos alimentares, especialmente com a perda de peso, é o hipotálamo. A disfunção hipotalâmica é refletida em problemas com termorregulação (aquecimento e resfriamento), saciedade, sono, desequilíbrio cardioregulatório autonômico (ortostase) e função endócrina (redução da estimulação gonadal e aumento da estimulação do córtex adrenal), todos reversíveis.

    Estudos anatômicos do cérebro nos transtornos alimentares, em especial na anorexia nervosa, tiveram como achado mais comum o aumento dos volumes ventricular e sulcal que normalizam com a restauração do peso. Há relatos de déficits persistentes de substância cinzenta após a recuperação, relacionados ao grau de perda de peso.

    A elevação do fluxo sanguíneo cerebral do lobo temporal medial na tomografia por emissão de pósitrons semelhante à encontrada em pacientes psicóticos sugere que essas alterações podem estar relacionadas à distorção da imagem corporal. Além disso, a visualização de alimentos altamente calóricos está associada a respostas exageradas no córtex de associação visual que são semelhantes àquelas observadas em pacientes com fobias específicas.

    Pacientes com anorexia nervosa podem ter um desequilíbrio entre as vias da serotonina e da dopamina relacionadas a neurocircuitos nos quais a restrição alimentar reduz a ansiedade.

    Gônadas: a função gonadal reduzida ocorre em pacientes masculinos e femininos. Manifesta-se clinicamente na anorexia nervosa como amenorreia em pacientes do sexo feminino e disfunção erétil em homens. Está relacionada à subestimulação do hipotálamo e à supressão cortical relacionada ao estresse físico e emocional. A amenorreia precede a dieta e a perda de peso importante em até 30% das mulheres com anorexia nervosa, e a maioria dos adolescentes com transtornos alimentares percebe a ausência de menstruação de forma positiva. O principal problema é o efeito negativo da diminuição da função ovariana e do estrogênio nos ossos.

    Ossos: a diminuição da densidade mineral óssea com osteopenia ou a osteoporose é uma complicação significativa dos transtornos alimentares (mais pronunciada na anorexia nervosa do que na bulimia nervosa). Dados recentes não recomendam o uso de terapia de reposição hormonal porque isso, por si só, não melhora outras causas de baixa densidade mineral óssea (baixo peso corporal, massa corporal magra e IGF-1; altos níveis de cortisol).

    Anorexia Nervosa

    Diagnóstico da Anorexia Nervosa

    Anorexia Nervosa – CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS (DSM-5)
    A. Restrição da ingesta calórica em relação às necessidades, levando a um peso corporal significativamente baixo no contexto de idade, gênero, trajetória do desenvolvimento e saúde física. Peso significativamente baixo é definido como um peso inferior ao peso mínimo normal ou, no caso de crianças e adolescentes, menor do que o minimamente esperado.
    B. Medo intenso de ganhar peso ou de engordar, ou comportamento persistente que interfere no ganho de peso, mesmo estando com peso significativamente baixo.
    C. Perturbação no modo como o próprio peso ou a forma corporal são vivenciados, influência indevida do peso ou da forma corporal na autoavaliação ou ausência persistente de reconhecimento da gravidade do baixo peso corporal atual.
    Determinar o subtipo:
    • Tipo restritivo: durante os últimos três meses, o indivíduo não se envolveu em episódios recorrentes de compulsão alimentar ou comportamento purgativo (i.e., vômitos autoinduzidos ou uso indevido de laxantes, diuréticos ou enemas). Esse subtipo descreve apresentações nas quais a perda de peso seja conseguida essencialmente por meio de dieta, jejum e/ou exercício excessivo.
    • Tipo compulsão alimentar purgativa: nos últimos três meses, o indivíduo se envolveu em episódios recorrentes de compulsão alimentar purgativa (i.e., vômitos autoinduzidos ou uso indevido de laxantes, diuréticos ou enemas).
    Especificar se:
    • Em remissão parcial: depois de terem sido preenchidos previamente todos os critérios para anorexia nervosa, o Critério A (baixo peso corporal) não foi mais satisfeito por um período sustentado, porém ou o Critério B (medo intenso de ganhar peso ou de engordar ou comportamento que interfere no ganho de peso), ou o Critério C (perturbações na autopercepção do peso e da forma) ainda está presente.
    • Em remissão completa: depois de terem sido satisfeitos previamente todos os critérios para anorexia nervosa, nenhum dos critérios foi mais satisfeito por um período sustentado.
    Especificar a gravidade atual:
    O nível mínimo de gravidade baseia-se, em adultos, no índice de massa corporal (IMC) atual (ver a seguir) ou, para crianças e adolescentes, no percentil do IMC. Os intervalos abaixo são derivados das categorias da Organização Mundial da Saúde para baixo peso em adultos; para crianças e adolescentes, os percentis do IMC correspondentes devem ser usados. O nível de gravidade pode ser aumentado de maneira a refletir sintomas clínicos, o grau de incapacidade funcional e a necessidade de supervisão.
    • Leve: IMC > 17 kg/m2.
    • Moderada: IMC 16-16,99 kg/m2.
    • Grave: IMC 15-15,99 kg/m2.
    • Extrema: IMC < 15 kg/m2.

    No subtipo compulsão alimentar purgativa (binge-purge), os pacientes podem, intermitentemente, comer em demasia e depois tentar livrar-se das calorias por vômitos ou tomando laxantes, ainda com forte busca pela magreza.

    A maioria dos indivíduos com anorexia nervosa do tipo compulsão alimentar purgativa que se envolvem em comportamentos periódicos de hiperfagia também purga por meio de vômitos autoinduzidos ou faz uso indevido de laxantes, diuréticos ou enemas.

    Alguns indivíduos com esse subtipo de anorexia nervosa não apresentam episódios de hiperfagia, mas purgam regularmente depois do consumo de pequenas quantidades de alimento.

    A alternância entre os subtipos ao longo do curso do transtorno não é incomum; portanto, a descrição do subtipo deverá ser usada para indicar os sintomas atuais, e não o curso longitudinal.

    • Critério A

    Na anorexia nervosa, o indivíduo mantém um peso corporal abaixo daquele minimamente normal para idade, gênero, trajetória do desenvolvimento e saúde física (i.e., inferior à faixa mínima normal ou, no caso de crianças e adolescentes, inferior à faixa mínima esperada).

    A. Restrição da ingesta calórica em relação às necessidades, levando a um peso corporal significativamente baixo no contexto de idade, gênero, trajetória do desenvolvimento e saúde física. Peso significativamente baixo é definido como um peso inferior ao peso mínimo normal ou, no caso de crianças e adolescentes, menor do que o minimamente esperado.

    Ao determinar se o Critério A é satisfeito, o clínico deverá considerar diretrizes numéricas disponíveis, bem como a constituição corporal do indivíduo, a história ponderal e a existência de qualquer perturbação fisiológica.

    O peso corporal dessas pessoas com frequência satisfaz esse critério depois de uma perda ponderal significativa, porém, entre crianças e adolescentes, pode haver insucesso em obter o ganho de peso esperado ou em manter uma trajetória de desenvolvimento normal (i.e., enquanto cresce em altura) em vez de perda de peso.

    A determinação do peso pode ser problemática porque a faixa de peso normal difere entre indivíduos, e limiares diferentes foram publicados definindo magreza ou peso abaixo do normal.

    O índice de massa corporal (IMC – calculado como o peso em quilogramas dividido pela altura em m2) é uma medida útil para determinar o peso corporal em relação à altura. Para adultos, um IMC de 18,5 kg/m2 tem sido empregado pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o limite inferior de peso corporal normal. Dessa forma, a maioria dos adultos com um IMC igual ou acima de 18,5 kg/m2 não seria considerada como com baixo peso corporal.

    Por sua vez, um IMC inferior a 17,0 kg/m2 tem sido considerado pela OMS como indicativo de magreza moderada ou grave; portanto, um indivíduo com um IMC inferior a 17,0 kg/m2 provavelmente seria considerado com um peso significativamente baixo.

    Um adulto com um IMC entre 17,0 e 18,5 kg/m2, ou até mesmo acima de 18,5 kg/m2, poderia ser considerado com um peso significativamente baixo se a história clínica ou outras informações fisiológicas corroborarem tal julgamento.

    Para crianças e adolescentes, determinar um percentil de IMC por idade é útil (ver, p. ex., o calculador de percentil de IMC dos CDC para crianças e adolescentes). Assim como nos adultos, não é possível fornecer padrões definitivos para julgar se o peso de uma criança ou de um adolescente está significativamente baixo, e variações nas trajetórias de desenvolvimento entre os jovens limitam a utilidade de diretrizes numéricas simples.

    Os CDC usaram um IMC por idade abaixo do 5º percentil como sugestivo de peso abaixo do normal; entretanto, crianças e adolescentes com um IMC acima desse marco podem ser julgados como significativamente abaixo do peso em face do fracasso em manter sua trajetória de crescimento esperada.

    • Critério B

    Indivíduos com esse transtorno exibem geralmente medo intenso de ganhar peso ou de engordar. Esse medo intenso de engordar não costuma ser aliviado pela perda de peso. Na verdade, a preocupação acerca do peso pode aumentar até mesmo se o peso dimimuir.

    B. Medo intenso de ganhar peso ou de engordar, ou comportamento persistente que interfere no ganho de peso, mesmo estando com peso significativamente baixo.

    Indivíduos mais jovens com anorexia nervosa, bem como alguns adultos, podem não reconhecer ou perceber medo de ganhar peso.

    Na ausência de outra explicação para o peso significativamente baixo, podem ser usados, para estabelecer o Critério B, a inferência do clínico a partir da história fornecida por informantes, dados de observação, achados físicos e laboratoriais ou curso longitudinal indicando seja um medo de ganhar peso, seja comportamentos persistentes relacionados que impeçam o ganho de peso.

    • Critério C

    A vivência e a significância do peso e da forma corporal são distorcidas nesses indivíduos. Algumas pessoas sentem-se completamente acima do peso. Outras percebem que estão magras, mas ainda assim se preocupam com determinadas partes do corpo, em particular que o abdome, os glúteos e o quadril estão “gordos demais”.

    C. Perturbação no modo como o próprio peso ou a forma corporal são vivenciados, influência indevida do peso ou da forma corporal na autoavaliação ou ausência persistente de reconhecimento da gravidade do baixo peso corporal atual.

    Elas podem empregar uma variedade de técnicas para avaliar o tamanho ou o peso de seus corpos, incluindo pesagens frequentes, medição obsessiva de partes do corpo e uso persistente de um espelho para checar áreas percebidas de “gordura”.

    A estima de indivíduos com anorexia nervosa é altamente dependente de suas percepções da forma e do peso corporal. A perda de peso é, com frequência, vista como uma conquista marcante e um sinal de autodisciplina extraordinária, enquanto o ganho ponderal é percebido como falha de autocontrole inaceitável.

    Embora alguns indivíduos com esse transtorno talvez reconheçam que estão magros, frequentemente não assumem as graves implicações médicas de seu estado de desnutrição.

    Geralmente, o indivíduo é levado à atenção profissional por familiares depois de perda de peso marcante (ou insucesso em obter o ganho de peso esperado) ter ocorrido. Se buscam ajuda por si mesmos, costuma ser devido à angústia causada por sequelas somáticas e psicológicas da inanição.

    É raro uma pessoa com anorexia nervosa queixar-se da perda de peso por si só. Na verdade, indivíduos com anorexia nervosa com frequência carecem de insight ou negam o problema. É, portanto, importante obter informações de familiares ou de outras fontes para avaliar a história da perda de peso e outros aspectos da doença.

    Características Associadas que Apoiam o Diagnóstico de Anorexia Nervosa

    Uma característica central dos transtornos alimentares é a superestimação do tamanho, forma ou partes do corpo (p. ex., abdome, coxas), levando a práticas de controle de peso destinadas a reduzir o peso (anorexia nervosa) ou evitar o ganho de peso (bulimia nervosa).

    Práticas associadas incluem restrição severa da ingestão calórica e comportamentos destinados a reduzir o efeito das calorias ingeridas, como se exercitar compulsivamente ou fazer purgação através da indução de vômitos ou ingestão de laxantes.

    Hábitos alimentares e de perda de peso geralmente encontrados nos transtornos alimentares podem resultar em ampla gama de variação do peso, desde a perda extrema de peso na anorexia nervosa à flutuação em torno de um peso normal a moderadamente elevado na bulimia nervosa.

    Quando os sintomas relatados de perda excessiva de peso (sensação de cansaço e frio, falta de energia, ortostasia, dificuldade de concentração) estão ligados aos sinais físicos associados (hipotermia com acrocianose e preenchimento capilar lento, perda de massa muscular, bradicardia com ortostasia), torna-se mais difícil para o paciente negar que exista um problema.

    Além disso, a consciência de que os sintomas incômodos podem ser eliminados por alimentação e padrões de atividade mais saudáveis pode aumentar a motivação do paciente em envolver-se em um tratamento.

    • O comprometimento nutricional associado a esse transtorno afeta a maioria dos sistemas corporais e pode produzir uma variedade de perturbações. Perturbações fisiológicas, incluindo amenorreia e anormalidades nos sinais vitais, são comuns. Enquanto grande parte das perturbações fisiológicas associadas à desnutrição é reversível com reabilitação nutricional, algumas, incluindo a perda de densidade óssea mineral, com frequência não são completamente reversíveis.

    Exames complementares: não há exame complementar confirmatório (os estudos devem ser escolhidos com base na história e no exame físico). Anormalidades laboratoriais, quando encontradas, são resultantes de desnutrição, hábitos de controle de peso utilizados (vômitos autoinduzidos e uso de laxantes, diuréticos e enemas) ​​ou complicações médicas, e sua presença pode servir para aumentar a confiabilidade diagnóstica.
    Hemograma completo: é comum haver leucopenia, com diminuição de todos os tipos de células, mas habitualmente com linfocitose aparente. Pode haver anemia leve (ou hemoglobina normal), bem como trombocitopenia (raramente há problemas de sangramento). VHS normal.
    Bioquímica:
    – Uréia: pode estar aumentada (devido a desidratação);
    – Função renal: geralmente normal;
    – Colesterol total: hipercolesterolemia leve é comum;
    – Enzimas hepáticas: levemente elevadas;
    – Eletrólitos e minerais (Mg, Zn, P): hipomagnesemia, hipozincemia, hipofosfatemia e hiperamilasemia são ocasionalmente observadas;
    – Glicose: baixa quando a perda de peso é acentuada;
    – Amilase: hiperamilasemia é ocasionalmente observada;
    – Proteínas totais e albumina: geralmente normais;
    – Gasometria: alcalose metabólica hipocalêmica e hipoclorêmica (vômitos induzidos) ou acidose metabólica leve (uso de laxantes).
    Hormônios:
    – T4: níveis geralmente na faixa entre normal e abaixo do normal;
    – T3: níveis diminuídos;
    – T3 reverso: níveis elevados;
    – Gonadotrofinas (estrogênio, testosterona): Os níveis séricos de estrogênio são baixos no sexo feminino; já no masculino, os níveis séricos de testosterona são baixos;
    – Cortisol: levemente aumentado.
    Eletrocardiografia: é comum a presença de bradicardia sinusal (o ECG costuma ter baixa voltagem, com alterações inespecíficas de onda ST ou T). Arritmias raramente são observadas. O prolongamento significativo do intervalo QTc é observado em alguns indivíduos.
    Densidade mineral óssea: com frequência se observa densidade mineral óssea baixa, com áreas específicas de osteopenia ou osteoporose. O risco de fratura é significativamente maior.
    Eletroencefalograma: anormalidades difusas, refletindo encefalopatia metabólica, podem resultar de desequilíbrios hídrico e eletrolítico significativos.

    A semi-inanição da anorexia nervosa e os comportamentos purgativos às vezes associados a ela podem resultar em condições médicas importantes e potencialmente fatais.

    • Quando gravemente abaixo do peso, indivíduos com anorexia nervosa apresentam sinais e sintomas depressivos, como humor deprimido, isolamento social, irritabilidade, insônia e diminuição da libido. Na medida em que alguns desses aspectos também são observados em indivíduos sem anorexia nervosa, mas significativamente subnutridos, muitos dos aspectos depressivos podem ser secundários às sequelas fisiológicas da semi-inanição, embora também possam ser graves o suficiente para justificar um diagnóstico adicional de transtorno depressivo.

    Características obsessivo-compulsivas, relacionadas ou não à alimentação, são com frequência proeminentes. A maioria dos indivíduos com anorexia nervosa é centrada na preocupação com os alimentos. Alguns colecionam receitas e estocam comida. Observações de comportamentos associados a outras formas de inanição sugerem que obsessões e compulsões relacionadas à alimentação podem ser exacerbadas por subnutrição. Quando indivíduos com anorexia nervosa exibem obsessões e compulsões não relacionadas a alimentos, forma corporal ou peso, um diagnóstico adicional de transtorno obsessivo-compulsivo pode ser justificável.

    • Outros aspectos por vezes associados à anorexia nervosa incluem angústia de alimentar-se publicamente, sentimentos de fracasso, forte desejo por controlar o próprio ambiente, pensamentos inflexíveis, espontaneidade social limitada e expressão emocional excessivamente contida. Comparados a indivíduos com anorexia nervosa do tipo restritiva, os que têm anorexia nervosa do tipo compulsão alimentar purgativa apresentam taxas maiores de impulsividade e tendência a abusar mais de álcool e outras drogas.

    • Um subgrupo de indivíduos com anorexia nervosa exibe níveis excessivos de atividade física. Aumentos na atividade física com frequência precedem a manifestação inicial do transtorno, e, durante o curso da doença, a atividade física mais intensa acelera a perda de peso. Durante o tratamento, talvez seja difícil controlar o excesso de atividade física, prejudicando, assim, a recuperação do peso.

    • Indivíduos com anorexia nervosa podem fazer uso indevido de medicamentos, como, por exemplo, manipular a dosagem para conseguir perder peso ou evitar ganhá-lo. Aqueles com diabetes melito podem omitir ou reduzir as doses de insulina a fim de minimizar o metabolismo de carboidratos.

    • Muitos dos sinais e sintomas físicos da anorexia nervosa são atribuíveis à inanição:
    – Amenorreia: a presença de amenorreia é comum e parece ser um indicador de disfunção fisiológica. Se presente, a amenorreia costuma ser consequência da perda de peso, porém, em uma minoria dos indivíduos, ela pode, na verdade, preceder a perda de peso. Em meninas pré-púberes, a menarca pode ser retardada.
    – Constipação, dor abdominal.
    – Intolerância ao frio.
    – Letargia e energia excessiva.
    – Hipotensão significativa.
    – Hipotermia.
    – Bradicardia.
    – Lanugo: alguns indivíduos desenvolvem lanugo, um pelo corporal muito fino e macio.
    – Edema periférico, especialmente durante a recuperação de peso ou na suspensão do uso indevido de laxantes e diuréticos.
    – Petéquias ou equimoses: raramente, normalmente nas extremidades, podem indicar diátese hemorrágica.
    – Pele amarelada: alguns indivíduos evidenciam tonalidade amarelada na pele, associada a hipercarotenemia.
    – Emaciação: perda de massa muscular e de gordura; extremo emagrecimento, extenuação. É o achado mais marcante no exame físico.
    – Hipertrofia das glândulas salivares: assim como é visto em indivíduos com bulimia nervosa, aqueles com anorexia nervosa que autoinduzem vômitos podem apresentar hipertrofia das glândulas salivares, sobretudo das glândulas parótidas, bem como erosão do esmalte dentário.
    – Cicatrizes ou calos na superfície dorsal da mão (Sinal de Russel): pelo contato repetido com os dentes ao induzir vômitos.

    Sinal de Russel
    Sinal de Russel

    Hábitos de consumo e o controle de peso comumente encontrados em crianças e adolescentes com anorexia nervosa (AN) e bulimia nervosa (BN)
    Hábito Característica Comentários clínicos
    Ingestão total AN Ingesta calórica inadequada, embora volume de alimentos e bebidas possa ser elevado, com densidade calórica muito baixa (“dieta” e escolhas não gordurosas). Restrição da ingesta calórica em relação às necessidades, levando a um peso corporal significativamente baixo é uma característica essencial do diagnóstico.
    BN Variável, mas ingestão calórica normal ou alta. Ingestão em compulsão frequente de “comidas e bebidas proibidas”, que diferem das ingestões às refeições. Desequilíbrio entre ingesta, exercícios e vômitos, mas restrição severa de calorias é de curta duração.
    Alimentação AN Contagem e limitação das calorias, especialmente de gorduras. Ênfase em “alimentos saudáveis”, com densidade calórica reduzida. Escolhas alimentares limitadas, monótonas, muitas vezes levando a uma dieta vegetariana ou vegana. Fortes sentimentos de culpa após comer “mais do que o planejado”, levando à prática de exercícios e à uma nova dieta. Atenção obsessivo-compulsiva aos dados nutricionais dos alimentos, podendo haver razões “lógicas” para escolhas alimentares rígidas, como participação em esportes ou histórico familiar de dislipidemia.
    BN Ciente das calorias e gorduras, mas menos rigorosos em evitá-los do que na anorexia nervosa. Dieta frequente intercalada com hiperfagia, muitas vezes desencadeada por depressão, isolamento ou raiva. Escolhas menos rígidas, com dietas mais frequentes.
    Bebidas AN Água ou outras bebidas de baixo ou nenhum teor calórico. Uso de leite desnatado. Líquidos frequentemente restritos para evitar ganho de peso.
    BN Variável. Consumo de refrigerante diet é comum. Pode haver ingesta excessiva de álcool. Líquidos ingeridos para provocar vômitos ou repor perdas.
    Refeições AN Plano de refeição programado e seguido à risca. Conteúdo calórico reduzido ou eliminado, frequentemente começando com café da manhã, e depois com almoço e jantar. Volume pode aumentar com utilização de frutas frescas, verduras e saladas como fontes principais de alimento. Adesão rígidas às “regras” alimentares leva a uma sensação de controle, confiança e domínio.
    BN Refeições menos rígidas e planejadas do que na anorexia nervosa, e mais impulsivas e desreguladas, frequentemente eliminadas em seguida (hiperfagia-purgação). Eliminação de uma refeição após hiperfagia somente reforça o desejo de compulsão posteriormente.
    Guloseimas AN Reduzidas ou eliminadas do plano alimentar. Consideradas “não saudáveis”.
    BN Geralmente evitadas no plano alimentar, mas consumidas por impulso. Comfort foods” podem desencadear um episódio de compulsão alimentar.
    Dieta AN Torna-se progressivamente restritiva, embora muitas vezes pareça “saudável”. Crenças e “regras” sobre necessidades nutricionais são idiossincráticas e fortemente mantidas. Diferenciar de plano de alimentação saudável com calorias reduzidas pode ser difícil.
    BN Dieta inicial dá lugar a uma alimentação caótica, muitas vezes interpretada pelo paciente como ser “fraco” ou “preguiçoso”. Dieta tende a ser impulsiva e de curta duração, geralmente resultando em ganho não intencional de peso.
    Compulsão alimentar AN Nenhuma no subtipo restritivo, mas uma característica essencial no subtipo compulsão alimentar purgativa. Muitas vezes “subjetiva” (mais do que o planejado, mas não muito).
    BN Característica essencial, muitas vezes secreta. Seguida de vergonha e culpa proeminente. Alivia o estresse emocional, e pode ser planejada.
    Exercícios AN Caracteristicamente obsessivo-compulsivo, ritualístico e progressivo. Pode ser destaque na dança ou corrida de longa distância. Pode ser difícil distinguir magro ativo de anorexia nervosa.
    BN Menos previsível. Pode ser atlético ou evitar exercícios totalmente. Homens frequentemente usam o exercício como meio de purgação.
    Vômitos AN Característica do subtipo compulsão alimentar purgativa. Pode mastigar e cuspir fora os alimentos, em vez de engolir. Instabilidade fisiológica e emocional proeminente.
    BN Hábito mais comum com a intenção de reduzir os efeitos da hiperfagia. Pode ocorrer após a refeição ou após uma compulsão alimentar. Fortemente “viciante” e autopunitivo, mas não elimina as calorias ingeridas (muitas ainda são absorvidas).
    Laxantes AN Se usado, é geralmente para aliviar a constipação intestinal no subtipo restritivo, ou como catarse no subtipo compulsão alimentar purgativa. Instabilidade fisiológica e emocional proeminente.
    BN Segundo hábito mais utilizado para reduzir ou evitar o ganho de peso, muitas vezes em doses crescentes, para efeito catártico. Fortemente “viciante” e autopunitivo, mas um meio ineficaz para reduzir o peso (calorias são abosrvidas no intestino delgado, e os laxantes agem no cólon).
    Medicamentos AN Muito raro. Se utilizados, mais comum no subtipo compulsão alimentar purgativa. O uso de anorexígenos implica incapacidade de controlar o que se come.
    BN Usado para reduzir o apetite ou aumentar o metabolismo. O controle sobre a alimentação pode ser buscado de qualquer maneira.
    Sintomas geralmente relatados por pacientes com anorexia nervosa (AN) e bulimia nervosa (BN)
    Sintomas Diagnóstico Comentários clínicos
    Imagem corporal AN Sente-se gorda, mesmo com extrema emaciação, muitas vezes com distorções corporais específicas (p. ex., barriga, coxas). Forte impulso para a magreza, com auto-eficácia intimamente ligada à avaliação da forma, tamanho e/ou peso corporal. Desafiar a imagem corporal de um paciente é ineficaz e contra-terapêutico. Aceitar a imagem corporal expressa pelo paciente, mas notando sua discrepância com sintomas e sinais, reforça o conceito de que o paciente pode “sentir-se gordo”, mas também “ser” muito magro e doente.
    BN Distorção e insatisfação da imagem corporal variável, mas a motivação para a magreza é menor do que o desejo de evitar ganhar peso.
    Metabolismo AN Os sintomas hipometabólicos incluem sensação de frio, cansaço, fraqueza e falta de energia. Pode ser tanto incômodo quanto fortalecedor. Os sintomas são evidências de “desligamento” do corpo na tentativa de conservar calorias diante de uma dieta inadequada. Enfatizar a reversibilidade dos sintomas com uma alimentação saudável e ganho de peso pode motivar os pacientes a cooperarem com o tratamento.
    BN Variável, dependendo da hidratação e do balanço de entrada e saída.
    Pele AN Pele seca, cicatrização prejudicada, contusões fáceis, pele de ganso (goose flesh). Pele amarelo-alaranjada nas mãos. A pele não tem bom fluxo sanguíneo e a capacidade cicatrizzação quando paciente tem baixo peso. Carotenemia com grande ingestão de alimentos com β-caroteno. Reversível.
    BN Nenhum sintoma característico. Comportamento autolesivo (cortes ou queimaduras) pode estar presente.
    Cabelos AN Crescimento de pêlos tipo lanugo no rosto e parte superior do corpo. Crescimento lento e aumento da perda de cabelo no couro cabeludo. Diminuição do crescimento de pêlos no corpo economiza energia. A perda de cabelo no couro cabeludo pode piorar durante o “eflúvio telógeno” (o cabelo em repouso é substituído pelo cabelo em crescimento), na realimentação. Reversível com alimentação saudável contínua.
    BN Nenhum sintoma característico.
    Olhos AN Nenhum sintoma característico. Causada pelo aumento da pressão intratorácica durante o vômito.
    BN Hemorragia subconjuntival.
    Dentes AN Nenhum sintoma característico. O ácido estomacal resultante do vômito afeta o esmalte dentário, expondo elementos dentários interiores.
    BN Erosão do esmalte dentário. Queda, fratura e perda de dentes.
    Glândulas salivares AN Nenhum sintoma característico. Causada por compulsão alimentar crônica e vômito induzido, com aumento da parótida mais proeminente que das submandibulares. Reversível.
    BN Aumento.
    Coração AN Tonturas, desmaios no subtipo restritivo. Palpitações mais comuns no subtipo purgação. Tonturas e desmaios devido a taquicardia ortostática postural e desregulação hipotalâmica e cardíaca com perda de peso, como resultado de hipovolemia por purgação. Palpitações e arritmias frequentemente causadas por distúrbios eletrolíticos. Os sintomas são revertidos com ganho de peso e/ou cessação da hiperfagia-purgação.
    BN Tonturas, desmaios, palpitações.
    Abdome AN Sensação precoce de plenitude e desconforto ao comer. Constipação. Percebe-se como “gordo”, muitas vezes preferindo musculatura abdominal bem definida. A perda de peso está associada à redução do volume e do tônus da musculatura do trato gastrointestinal, especialmente do estômago. Laxantes podem ser usados para aliviar a constipação, ou como catárticos. Redução dos sintomas com alimentação saudável, mas pode levar semanas para ocorrer.
    BN Desconforto após uma compulsão alimentar. Cãibras e diarréia quando há abuso de laxantes.
    Extremidades e Sistema músculo-esquelético AN Mãos e pés frios e cianóticos. Temperatura corporal baixa, com baixo consumo de energia e fluxo sanguíneo lento (mais notável perifericamente). Rapidamente reversível com alimentação saudável
    BN Nenhum sintoma característico. Comportamento autolesivo (cortes ou queimaduras) pode estar presente.
    Sistema nervoso AN Nenhum sintoma característico. Os sintomas neurológicos sugerem comorbidade associada ou um diagnóstico diferencial.
    BN Nenhum sintoma característico.
    Estado mental AN Depressão, ansiedade, sintomas obsessivo-compulsivos (sozinhos ou em combinação). Distúrbios de humor subjacentes podem piorar com práticas de controle de peso disfuncionais e podem melhorar com uma alimentação saudável. Os pacientes com anorexia nervosa podem relatar “dormência emocional” com a fome, preferível à emocionalidade associada à alimentação saudável.
    BN Depressão, transtorno de estresse pós-traumático, transtorno de personalidade borderline.
    Sinais comumente encontrados em pacientes com distúrbios alimentares, em relação a característica predominantemente utilizada para controle de peso
    Sinais Restrição alimentar Compulsão-purgação Comentários clínicos
    Aparência geral Magro ou caquético. Pode usar roupas volumosas para esconder a magreza e pode não querer ser examinado. Magro ou acima do peso. Perda de peso mais rápida quando ingesta reduzida e exercício excessivo. Compulsão alimentar pode resultar em grande ganho de peso, independentemente do comportamento de purgação. Aparência depende do equilíbrio entre ingesta calórica e gasto energético, bem como de hábitos globais de controle de peso.
    Peso Baixo e caindo (se previamente acima do peso, pode ser ainda normal ou alto). Pode ser falsamente elevado se o paciente ingerir líquidos ou adicionar pesos ao corpo antes de ser pesado. Altamente variável, do equilíbrio entre ingesta calórica e gasto energético, bem como do estado de hidratação. Falsificação do peso é incomum. Pesar apenas de avental, sem roupa íntima, após a micção (e medir a densidade urinária). Permanecer de avental até que o exame físico seja concluído para identificar possível sobrecarga de líquido (baixa densidade urinária, bexiga palpável) ou adição de pesos ao corpo.
    Metabolismo Hipotermia (T < 35,5oC), Pulso < 60 bpm batimentos. Resposta psicomotora reduzida. Variável, mas estado hipometabólico é menos comum que na anorexia nervosa. Hipometabolismo relacionado a problemas nos mecanismos de controle hipotalâmico, resultantes da perda de peso. Sinais de hipometabolismo (pele fria, enchimento capilar lento, acrocianose) são mais evidentes em mãos e pés.
    Pele Seca, com folículos pilosos proeminente. Mãos amarelo-alaranjadas. Calos nas articulações proximais das mãos (sinal de Russell). Carotenemia por grande ingestão de alimentos ricos em β-caroteno. Sinal de Russell: calos decorrentes da abrasão provocada pelos incisivos superiores na estimulação faríngea digital crônica, geralmente pela mão dominante.
    Cabelos Crescimento de pêlos tipo lanugo no rosto e na parte superior do corpo. Perda de pêlos no couro cabeludo, especialmente na região parietal. Sem sinais característicos. Diminuição do crescimento de pêlos no corpo economiza energia. A perda de cabelo no couro cabeludo pode piorar durante o “eflúvio telógeno” (o cabelo em repouso é substituído pelo cabelo em crescimento), na realimentação, pois o pêlo em fase de repouso é substituído por pêlos em crescimento.
    Olhos Sem sinais característicos. Hemorragia subconjuntival. Aumento da pressão intratorácica durante os vômitos.
    Dentes Sem sinais característicos. Esmalte dental corroído (perimólise) e dentes cariados, fraturados ou perdidos. A perimólise, pior nas superfícies linguais dos dentes maxilares, é intensificada pela escovação dos dentes sem enxaguamento prévio com água.
    Glândulas salivares Sem sinais característicos. Aumento de tamanho, relativamente indolor. Acometimento da parótida mais frequente do que da submandibular.
    Garganta Sem sinais característicos. Reflexo nauseoso ausente. Extinção do reflexo nauseoso com a estimulação faríngea repetida.
    Coração Bradicardia, hipotensão e alterações de pulso ortostático (> 25 bpm). Hipovolemia, se desidratação. Na anorexia nervosa, resultantes de alterações na função central hipotalâmica e na função cardíaca intrínseca. Alterações ortostáticas menos proeminentes em indivíduos atléticos, mais proeminentes quando há associação com purgação.
    Abdome Escafóide, órgãos podem ser palpáveis, mas não aumentados. Quadrante inferior esquerdo cheio de fezes. Ruídos hidroaéreos aumentados, se houve uso recente de laxantes. Visceromegalia requer investigação para determinação da causa. Constipação presente com a intesificação da perda de peso.
    Extremidades e Sistema músculo-esquelético Extremidades frias, acrocianóticas, com enchimento capilar lento. Edema dos pés. Perda de tecido muscular, subcutâneo e adiposo. Nenhum sinal característico, mas pode haver edema rebote após interrupção do uso crônico de laxantes. Sinais de hipometabolismos (extremidades frias) e disfunção cardiovascular (enchimento capilar lento e acrocianose). Edema, mais por fragilidade capilar do que por hipoproteinemia na anorexia nervosa, pode piorar na fase inicial da realimentação.
    Sistema nervoso Sem sinais característicos. Sem sinais característicos. Ingesta excessiva de água antes da pesagem pode causar hiponatremia aguda.
    Estado mental Ansiedade a respeito da imagem corporal, irritabilidade, humor deprimido, oposição à mudança. Depressão, evidência de transtorno de estresse pós-traumático. Maior tendência ao suicídio do que anorexia nervosa. Estado mental geralmente melhora com alimentação e peso mais saudáveis. ISRS apenas mostraram ser eficazes para bulimia nervosa.

    Questões Diagnósticas Relativas à Cultura

    A anorexia nervosa ocorre entre populações diversas em termos culturais e sociais, embora as evidências disponíveis sugiram variações transculturais em sua ocorrência e apresentação.

    É provável que seja mais prevalente em países ricos pós-industrializados, como os Estados Unidos, em muitos países europeus, na Austrália, na Nova Zelândia e no Japão, mas sua incidência em países de baixa e média rendas é incerta.

    Enquanto a prevalência do transtorno parece comparativamente baixa entre latinos, afro-americanos e asiáticos nos Estados Unidos, os clínicos deverão estar atentos ao fato de que a utilização de serviços de saúde mental entre indivíduos com um transtorno alimentar é significativamente menor nesses grupos étnicos e de que as taxas baixas talvez indiquem um viés de aferição.

    A apresentação de preocupações a respeito do peso entre indivíduos com transtornos alimentares varia substancialmente nos diferentes contextos culturais. A ausência de medo intenso manifesto de ganhar peso, às vezes referido como “fobia de gordura”, parece ser relativamente mais comum em populações na Ásia, onde a justificativa de restrição dietética costuma estar relacionada a uma queixa mais culturalmente sancionada, como desconforto gastrintestinal. Nos Estados Unidos, apresentações sem um temor intenso declarado de ganhar peso podem ser, de forma comparativa, mais comuns entre grupos latinos.

    Diagnóstico Diferencial da Anorexia Nervosa

    Outras possíveis causas de baixo peso corporal ou de perda de peso significativa deverão ser consideradas no diagnóstico diferencial de anorexia nervosa, especialmente quando o quadro for atípico (p. ex., manifestação depois dos 40 anos de idade).

    Condições médicas: perda de peso pode ocorrer em qualquer condição em que haja aumento do catabolismo (p. ex., malignidade, infecção crônica, endocrinopatias, SIDA) ou má absorção (p. ex., doença inflamatória intestinal, doença celíaca), mas essas doenças geralmente estão associadas a outros achados clínicos, sem diminuição da ingestão calórica, sem perturbação na maneira de vivenciar forma/peso do corpo, sem medo intenso de ganhar peso e sem comportamentos que interfiram no ganho de peso.

    A perda de peso aguda associada a uma condição médica pode ser seguida por início ou recaída de anorexia nervosa, que podem ser inicialmente mascarados pela condição médica comórbida. Raramente, a anorexia nervosa se desenvolve depois de uma cirurgia bariátrica para obesidade.

    Pacientes com doença inflamatória intestinal podem reduzir a ingestão para minimizar as cólicas abdominais. Na anorexia nervosa, comer pode causar desconforto abdominal e saciedade precoce devido a atonia gástrica associada a perda de peso significativa, e não a má absorção.

    Da mesma forma, na anorexia pode haver hipotermia, acrocianose com enchimento capilar lento e neutropenia sugestiva de sepse, mas o quadro geral é de relativa estabilidade cardiovascular.

    Endocrinopatias também deve ser consideradas. Na bulimia nervosa, o apetite voraz em face da perda de peso pode sugerir diabetes mellitus, mas os níveis de glicose no sangue são normais ou baixos (cabe lembrar que as principais características dos hábitos alimentares disfuncionais – perturbação da imagem corporal e mudança de peso – podem coexistir com condições como o diabetes mellitus, em que os pacientes podem manipular a dose de insulina para perder peso). A insuficiência adrenal mimetiza muitos sintomas e sinais físicos encontrados na anorexia nervosa restritiva, mas está associada a hiperpotassemia e hiperpigmentação. Embora distúrbios da tireóide sejam frequentemente considerados, a apresentação geral inclui sintomas tanto de hipotireoidismo (hipotermia, bradicardia e constipação), como de hipertireoidismo (perda de peso e atividade física).

    Craniofaringiomas e cistos de bolsa de Rathke podem mimetizar alguns dos achados da anorexia nervosa, como perda de peso e atraso do crescimento, e até mesmo alguns distúrbios da imagem corporal. Entretanto, estão associados a outras achados, incluindo evidências de aumento da pressão intracraniana.

    A encefalomiopatia neurogastrointestinal mitocondrial, causada por uma mutação no gene TYMP, apresenta-se com dismotilidade gastrointestinal, caquexia, ptose, neuropatia periférica, oftalmoplegia e leucoencefalopatia. Os sintomas começam durante a segunda década de vida e geralmente são diagnosticados como anorexia nervosa. A saciedade precoce, vômitos, câimbras, constipação e pseudo-obstrução resultam em perda de peso, muitas vezes, antes que as características neurológicas sejam notadas.

    Qualquer paciente com apresentação atípica de transtorno alimentar (com base na idade, sexo ou outros fatores) merece uma busca escrupulosa por uma explicação alternativa.

    Transtorno depressivo maior: no transtorno depressivo maior pode ocorrer perda de peso grave, mas a maioria dos indivíduos com esse transtorno não manifesta nem desejo de perda de peso excessiva, nem medo intenso de ganhar peso.

    Esquizofrenia: indivíduos com esquizofrenia podem exibir comportamento alimentar estranho e às vezes apresentam perda de peso significativa, mas raramente manifestam o medo de ganhar peso e a perturbação da imagem corporal necessários para um diagnóstico de anorexia nervosa.

    Transtornos por uso de substância: indivíduos com transtornos por uso de substância podem apresentar perda de peso devido à ingesta nutricional deficiente, mas geralmente não temem ganhar peso e não manifestam perturbação da imagem corporal. Indivíduos que abusam de substâncias que reduzem o apetite (p. ex., cocaína, estimulantes) e que também temem ganhar peso deverão ser avaliados cuidadosamente quanto à possibilidade de anorexia nervosa comórbida, considerando-se que o uso indevido da substância pode representar um comportamento persistente que interfere no ganho de peso (Critério B).

    Transtorno de ansiedade social (fobia social), transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno dismórfico corporal: alguns dos aspectos da anorexia nervosa se sobrepõem aos critérios para fobia social, TOC e transtorno dismórfico corporal. Mais especificamente, os indivíduos podem sentir-se humilhados ou envergonhados de serem vistos comendo em público, como ocorre na fobia social; podem exibir obsessões e compulsões relacionadas a alimentos, como no TOC; ou podem ficar preocupados com um defeito imaginado na aparência do corpo, como no transtorno dismórfico corporal. Se o indivíduo com anorexia nervosa tiver temores sociais que se limitem apenas ao comportamento alimentar, o diagnóstico de fobia social não deve ser feito, mas temores sociais não relacionados ao comportamento alimentar (p. ex., temor excessivo de falar em público) podem justificar um diagnóstico adicional de fobia social. Da mesma maneira, um diagnóstico adicional de TOC deverá ser considerado apenas se o indivíduo exibir obsessões e compulsões não relacionadas a alimento (p. ex., medo excessivo de contaminação), e um diagnóstico adicional de transtorno dismórfico corporal deverá ser considerado apenas se a distorção não estiver relacionada à forma e ao tamanho do corpo (p. ex., preocupação com o tamanho excessivo do próprio nariz).

    Bulimia nervosa: indivíduos com bulimia nervosa exibem episódios recorrentes de compulsão alimentar, adotam comportamento indevido para evitar o ganho de peso (p. ex., vômitos autoinduzidos) e preocupam-se excessivamente com a forma e o peso corporais. Entretanto, diferentemente de indivíduos com anorexia nervosa do tipo compulsão alimentar purgativa, aqueles com bulimia nervosa mantêm um peso corporal igual ou acima da faixa mínima normal.

    Transtorno alimentar restritivo/evitativo: indivíduos com esse transtorno podem exibir perda de peso ou deficiência nutricional significativas, mas não temem ganhar peso ou se tornar gordos nem apresentam perturbação na maneira como vivenciam a forma e o peso do próprio corpo.

    EDNOS – Transtorno alimentar não especificado de outra forma

    A maioria das crianças e adolescentes com transtornos alimentares não preenche todos os critérios para essas síndromes no sistema de classificação do DSM-V, mas se encaixa na categoria de transtorno alimentar não especificado de outra forma (EDNOS, do inglês Eating disorder not otherwise specified), que inclui grande variedade de apresentações clínicas subliminares.

    Dez por cento ou mais de algumas populações de adolescentes do sexo feminino têm EDNOS – muitas vezes chamado de “distúrbio alimentar”, que pode piorar e chegar a uma síndrome de transtornos alimentares completa.

    O transtorno de compulsão alimentar periódica (TCAP), em que a compulsão alimentar não é seguida regularmente por qualquer comportamento compensatório, está incluído no EDNOS no DSM-V e compartilha muitas características com a obesidade.

    Comorbidades

    Transtornos bipolares, depressivos e de ansiedade em geral ocorrem concomitantemente com anorexia nervosa. Muitos indivíduos com anorexia nervosa relatam a presença de um transtorno de ansiedade ou de sintomas previamente ao aparecimento de seu transtorno alimentar.

    O TOC é descrito em alguns indivíduos com anorexia nervosa, especialmente naqueles com o tipo restritivo.

    O transtorno por uso de álcool e outras substâncias pode também ser comórbido à anorexia nervosa, sobretudo entre aqueles com o tipo compulsão alimentar purgativa.

    Tratamento da Anorexia Nervosa

    O tratamento de uma criança ou adolescente diagnosticado com transtorno alimentar é idealmente fornecido por uma equipe interdisciplinar (médico, enfermeiro, nutricionista, psicólogo, psiquiatra) com experiência no tratamento de pacientes pediátricos. O paciente, os pais e o prestador de cuidados primários são membros essenciais da equipe de tratamento.

    Na atenção primária, deve-se facilitar a aceitação do diagnóstico e das recomendações iniciais de tratamento, tanto pelo paciente quanto por seus cuidadores. Uma abordagem autoritativa (nurturant–authoritative approach) é útil, enquanto uma postura autoritária é contra-terapêutica.

    Reconhece-se que o paciente pode discordar das recomendações de diagnóstico e tratamento e ser ambivalente quanto à mudança de hábitos alimentares, mas que a recuperação requer força, coragem, força de vontade e determinação. Também é mais fácil para os pais quando entendem que o desenvolvimento de um transtorno alimentar não é uma decisão deliberada do paciente nem reflexo de uma má paternidade.

    Enquadrar o transtorno alimentar como um mecanismo de enfrentamento para uma variedade complexa de questões, com aspectos positivos e negativos, evita a culpa e pode preparar a família para ajuda profissional, que focará nos pontos fortes e na recuperação da saúde, e não nos déficits do adolescente ou da família.

    Um dos objetivos do tratamento na atenção primária deve ser alcançar e manter a saúde – não apenas ganho de peso. As ações devem incluir:
    – monitorar o estado físico do paciente;
    – estabelecer limites para comportamentos que ameacem a saúde do paciente;
    – envolver especialistas com experiência no tratamento de transtornos alimentares;
    – continuar fornecendo cuidados primários para manutenção da saúde.

    O modelo biopsicossocial correlaciona o comprometimento da saúde às práticas disfuncionais de controle de peso, evidenciadas por sintomas e sinais. Associar explicitamente os comportamentos de transtorno alimentar aos sintomas e sinais pode aumentar a motivação para mudar.

    Além disso, geralmente existem conflitos psicossociais não resolvidos nos domínios intrapessoal (auto-estima, autoeficácia) e interpessoal (família, pares, escola).

    Melhorias surgem à medida que os mecanismos de enfrentamento são reforçados por feedback positivo. Ou seja, recompensas externas (p. ex., elogios sobre aparência física melhorada) e recompensas internas (p. ex., percepção e domínio do que se come e/ou do que se faz para minimizar ingestão compulsiva – como exercícios intensos ou purgação) são mais poderosas para manter o comportamento do que feedback negativo (p. ex., conflito com pais e colegas em relação à alimentação).

    O paciente deve elaborar registros da alimentação (comidas, bebidas, quantidades, horários, localização), atividade física (tipo, duração, intensidade) e estado emocional (p. ex., irritado, triste, preocupado), que serão analisados junto ao médico nas consultas. Isto ajuda o médico a identificar deficiências e excessos alimentares e de atividade, assim como padrões comportamentais e de saúde mental, e o paciente a tornar-se objetivamente consciente das questões relevantes a serem tratadas na recuperação.

    Dada a tendência de os pacientes com anorexia nervosa superestimarem sua ingestão calórica e subestimarem seu nível de atividade, é importante, em cada consulta, registrar o seu peso (sem roupa íntima, apenas de avental, após a micção), densidade urinária, temperatura e pressão arterial/pulso (nas posições supina, sentada e em pé). Além disso, realizar exame físico direcionado, focado no hipometabolismo, estabilidade cardiovascular e estado mental, bem como quaisquer sintomas relacionados, para monitorar o progresso (ou piora).

    Nutrição

    O prestador de cuidados primários geralmente inicia o processo de orientação nutricional, embora um nutricionista deva estar envolvido no planejamento das refeições e na educação nutricional. Enquadrar os alimentos como combustível para o corpo e fonte de energia para as atividades diárias enfatiza o objetivo de aumentar o nível de energia, resistência e força do paciente.

    Os pacientes com anorexia nervosa tendem a ter uma rotina alimentar diária altamente estruturada, com ingestão restritiva. Na bulimia nervosa, há padrões alimentares caóticos e episódios de hiperfagia-purgação.

    Todos os pacientes com anorexia nervosa, bulimia nervosa ou EDNOS se beneficiam de uma rotina alimentar diária saudável que inclui três refeições e pelo menos um lanche por dia, distribuídos uniformemente ao longo do dia, com base no planejamento balanceado de refeições.

    O café da manhã (desjejum) merece ênfase especial porque muitas vezes é a primeira refeição eliminada na anorexia nervosa, e muitas vezes é evitada na manhã seguinte a um episódio de hiperfagia-purgação na bulimia nervosa.

    Para pacientes com anorexia nervosa e baixo peso, a prescrição nutricional visa:
    – aumento gradual do peso, à taxa de 250-450 g/semana;
    – aumentar a ingestão total de energia em 100-200 kcal a cada poucos dias;
    – atingir de aproximadamente 90% do peso corporal médio para sexo, altura e idade;
    – equilíbrio nutricional padrão de 15-20% de calorias de proteína, 50-55% de de calorias carboidratos e 25-30% de calorias de gordura (o teor de gordura pode precisar ser reduzido para 15-20% das calorias no início do tratamento da anorexia nervosa devido à fobia contínua de gordura).

    O ganho de peso não ocorrerá até que a ingestão calórica exceda os gastos. A necessidade calórica para ganho de peso pode exceder 4.000 kcal/dia, especialmente nos pacientes ansiosos e com altos níveis de gasto energético basal.

    Os pacientes com anorexia nervosa geralmente têm pensamentos do tipo “tudo ou nada” (relacionado ao perfeccionismo), com tendência a supergeneralizar e chegar a conclusões catastróficas, pressupondo que seu corpo é governado por regras que não se aplicam a outros. Essas tendências levam à dicotomização dos alimentos em “bons” e “ruins”, tendo um dia arruinado por causa de um evento inesperado ou escolhendo alimentos baseados em rígidas restrições auto-impostas. Esses pensamentos podem estar relacionados a anormalidades de neurocircuitos e neurotransmissores relacionados à função executiva e recompensas.

    Com o risco de baixa densidade mineral óssea em pacientes com anorexia nervosa, frequentemente são necessários suplementos de cálcio e vitamina D para atingir a ingestão recomendada de 1.300 mg/dia de cálcio.

    A realimentação pode ser realizada com pequenas refeições e lanches frequentes, consistindo de uma variedade de alimentos e bebidas (com o mínimo de alimentos diet, light ou zero), em vez de menos refeições calóricas de alto volume.

    Alguns pacientes acham mais fácil receber parte da nutrição adicional como suplementos (remédios) em vez de alimentos.

    Atividade Física

    Embora excesso de exercício seja comum na anorexia nervosa, proibir completamente o exercício pode levar a uma restrição adicional da ingesta de alimentos ou à prática de exercícios às escondidas.

    A inatividade deve ser limitada a situações em que a perda de peso seja dramática ou haja instabilidade fisiológica.

    Além disso, a prática saudável de exercícios (uma vez por dia, por não mais que 30 minutos, com intensidade não mais do que moderada) pode melhorar o humor e tornar o aumento da oferta de calorias mais aceitável.

    Como os pacientes com anorexia nervosa frequentemente desconhecem seu nível de atividade e tendem a aumentá-la progressivamente, o exercício sem um parceiro ou supervisão não é recomendado.

    Medicamentos

    Embora os pacientes com anorexia nervosa sejam frequentemente medicados com inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS) devido a sintomas depressivos, não há evidência de eficácia para pacientes com baixo peso. A alimentação continua sendo o tratamento inicial de escolha para tratar a depressão na anorexia nervosa.

    Já na bulimia nervosa, independentemente da depressão, os ISRS são considerados um elemento-padrão na terapia, por serem muito eficazes na redução de comportamentos de hiperfagia-purgação (podem ser necessárias doses diárias de fluoxetina maiores que 60 mg para manter a eficácia).

    Psicoterapia

    Terapia cognitivo-comportamental: reestrutura “erros de pensamento” e estabelece padrões adaptativos de comportamento. É mais eficaz do que abordagens interpessoais ou psicanalíticas.

    Terapia comportamental dialética: pensamentos distorcidos e respostas emocionais são desafiados, analisados ​​e substituídos por pensamentos mais saudáveis, com ênfase na “atenção plena”. Requer habilidades de pensamento adulto e é útil para pacientes idosos com bulimia nervosa.

    Terapia de grupo: pode fornecer apoio necessário, mas requer um profissional qualificado. Agrupar pacientes em vários níveis de recuperação, cada qual com seus reforços de comportamentos disfuncionais de enfrentamento pode ser um desafio se os pacientes competirem uns com os outros para serem “mais magros” ou assumirem novos comportamentos, como vômitos.

    Terapia baseada na família (abordagem de Maudsley): é a única abordagem de tratamento com eficácia baseada em evidências no tratamento da anorexia nervosa em crianças e adolescentes. Quanto mais jovem o paciente, mais intimamente os pais precisam estar envolvidos na terapia. Este modelo ambulatorial intensivo de três fases ajuda os pais a desempenharem um papel positivo na restauração da alimentação e do peso normal de seus filhos, devolve o controle da alimentação à criança que demonstrou a capacidade de manter o peso saudável e estimula a progressão saudável nos outros domínios do desenvolvimento na adolescência. Inclui uma abordagem na qual a causa da doença é desconhecida e irrelevante para o ganho de peso, enfatizando que os pais não são culpados pelos transtornos alimentares. Estes atuam incentivando e apoiando a alimentação saudável, ao mesmo tempo em que reforçam os limites dos hábitos disfuncionais, sem autoritarismo ou interdição completa.

    Os pais são o melhor recurso para recuperação para quase todos os pacientes, com os profissionais de saúde atuando como consultores e conselheiros, ajudando-os a enfrentar os desafios.

    Tratamento hospitalar

    O tratamento hospitalar visa estabilizar/tratar a desnutrição com risco de vida, além de fornecer serviços de saúde mental de apoio. É preciso:
    – evitar a síndrome de realimentação em pacientes gravemente desnutridos;
    – fornecer alimentação por sonda nasogástrica para pacientes incapazes ou não dispostos a comer;
    – iniciar atendimentos de saúde mental, especialmente terapia baseada na família, se isso não tiver ocorrido em nível ambulatorial.

    Independentemente da fonte de ingestão de energia, o risco de síndrome de realimentação (taquicardia aguda e insuficiência cardíaca com sintomas neurológicos, associados principalmente ao declínio agudo de fósforo e magnésio séricos) aumenta com o grau de perda de peso e a rapidez dos aumentos calóricos. Portanto, se o peso caiu abaixo de 80% do peso esperado, a realimentação deve prosseguir com cautela.

    Indicações para internação hospitalar de pacientes com anorexia nervosa (AN)
    Físicas / Laboratoriais Psiquiátricas / Outras
    – Bradicardia (FC < 50 bpm) ou outros distúrbios do ritmo cardíaco
    – Hipotensão arterial (PA < 80x50 mmHg)
    – Hipotensão postural (com queda da PA em mais de 10 mmHg ou aumento da FC em mais de 25 bpm)
    – Desidratação
    – Hipotermia (T < 36,1oC)
    – Peso corporal abaixo de 80% do ideal
    – Comprometimento hepático, cardíaco ou renal

    – Hipopotassemia
    – Hipofosfatemia
    – Hipoglicemia

    – Ideação suicida e/ou planejamento suicida
    – Pouca motivação para recuperação (no paciente ou na família)
    – Preocupação com pensamentos egossintônicos
    – Transtornos psiquiátricos coexistentes

    – Necessidade de supervisão após refeições e ao utilizar o banheiro
    – Falha no tratamento ambulatorial

    Recomenda-se, assim que possível, transferência para uma unidade médica com experiência no tratamento de transtornos alimentares pediátricos. Os cuidados psiquiátricos devem ser fornecidos em unidade especializa na gestão dos comportamentos frequentemente desafiadores (p. ex., esconder ou jogar fora alimentos, purgação, exercícios às escondidas) e problemas emocionais (p. ex., depressão, ansiedade). O risco de suicídio é pequeno, mas pacientes com anorexia nervosa podem ameaçar o suicídio se forem obrigados a comer ou ganhar peso, numa tentativa para que seus pais recuem.

    Internação parcial em hospital-dia

    Um programa de internação parcial em hospital-dia oferece serviços ambulatoriais que são menos intensivos do que internação hospitalar ininterrupta.

    Geralmente são realizados 4-5 dias por semana por 6-9 horas cada sessão, baseados em grupo e incluem o consumo de pelo menos duas refeições, bem como oportunidades para abordar problemas em um ambiente mais próximo da “vida real”.

    Ou seja, os pacientes dormem em casa e têm vida livre nos finais de semana, expondo-os a desafios que podem ser processados ​​durante o programa, e compartilhando também experiências grupais e familiares.

    Grupos de apoio

    Em relação aos transtornos alimentares pediátricos, os grupos de apoio são principalmente projetados para os pais, que muitas vezes sentem-se desamparados e sem esperança, especialmente quandos seu filho resiste ao diagnóstico e ao tratamento.

    Por causa do histórico de se culpar os pais pelos transtornos alimentares, estes muitas vezes expressam sentimentos de vergonha e isolamento. Grupos de apoio e sessões de terapia multifamiliar reúnem os pais cujas famílias estão em vários estágios de recuperação de um transtorno alimentar, de maneira educacional e encorajadora.

    Os pacientes que, após tratamento intensivo ou ao final do tratamento (após a alimentação e o peso terem se normalizado) ainda apresentam problemas com a imagem corporal, podem se beneficiar de grupos de apoio.

    Prognóstico da Anorexia Nervosa

    Com diagnóstico precoce e tratamento eficaz, 80% ou mais dos jovens com anorexia nervosa se recuperam.

    Desenvolvem hábitos normais de alimentação e controle de peso, mantêm o peso médio para a estatura e apresentam melhora na escola, trabalho e relacionamentos, embora alguns ainda tenham problemas com a imagem corporal.

    Com a restauração do peso, a fertilidade também retorna, embora o peso para a retomada da menstruação (aproximadamente 92% do peso corporal médio para a estatura) possa ser menor que o peso para a ovulação.

    O prognóstico para bulimia nervosa está menos bem estabelecido, mas o resultado melhora com o tratamento multidimensional que inclui ISRS e atenção ao humor, traumas passados, impulsividade e qualquer psicopatologia existente.

    A anorexia nervosa atípica e o EDNOS ainda podem ter uma morbidade significativa.

    Prevenção da Anorexia Nervosa

    Dada a complexidade da patogênese, a prevenção de transtornos alimentares é difícil.

    Intervenções preventivas direcionadas podem reduzir os fatores de risco em adolescentes mais velhos e mulheres em idade universitária. Esforços universais de prevenção para promover a regulação do peso saudável e desencorajar dietas não saudáveis ​​não mostraram eficácia nos alunos do ensino médio.

    Programas que incluem pacientes recuperados ou focam nos problemas associados aos transtornos alimentares podem inadvertidamente glamourizar os transtornos alimentares e devem ser desencorajados.

    Vale a pena visitar:

    Maudsley Parents: a site for parents of eating disordered children

    Referências Bibliográficas

    • Robert M. Kliegman. Nelson Textbook of Pediatrics, 20th Edition. Canada: Elsevier, 2016.
    American Psychiatric Association. DSM-5: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5a Edição. Porto Alegre: Artmed, 2014.

    • Dr. Marcelo Meirelles
    – Médico Pediatra
    – Médico Hebiatra (Especialista em Medicina do Adolescente)
    – Psiquiatria na Infância e Adolescência




    Deixe um comentário

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *