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Nova vacina contra dengue: o que você precisa saber




    A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou em 02/03/2023, por meio da Resolução RE 661/23, o registro de uma nova vacina para a prevenção da dengue. A vacina Qdenga®, da empresa Takeda Pharma Ltda., é composta por quatro diferentes sorotipos do vírus causador da doença, conferindo assim uma ampla proteção contra a dengue.

    A vacina Qdenga® é a primeira aprovada no Brasil para um público mais amplo (de quatro a 60 anos de idade). O imunizante aprovado anteriormente, Dengvaxia®, só pode ser utilizada por quem já teve dengue.

    Dengue

    Epidemiologia da dengue

    A dengue é a mais prevalente arbovirose mundial, presente em mais de 125 países e responsável por aproximadamente 390 milhões de infecções anualmente, sendo um quarto destas infecções associadas a quadros sintomáticos e a 20 mil mortes.

    O Brasil é o país que registra o maior número de casos da doença no mundo, sendo que em 2022 houve notificação de mais de 1,4 milhões de casos prováveis de dengue e mais de 1.000 mortes, de acordo com o Ministério da Saúde (MS), com grande impacto para todo o sistema de saúde.

    A Região Centro-Oeste apresentou a maior taxa de incidência de dengue, com 2.086,9 casos/100 mil hab., seguida das Regiões: Sul (1.050,5 casos/100 mil hab.), Sudeste (536,6 casos/100 mil hab.), Nordeste (431,5 casos/100 mil hab.) e Norte (277,2 casos/100 mil hab.).

    O vírus da dengue

    O vírus da dengue (DENV) é transmitido entre humanos por um artrópode, sendo, portanto, considerada uma arbovirose (arthropod-borne virus). O artrópode responsável pela transmissão é o mosquito do gênero Aedes. As duas principais espécies transmissoras são: Aedes aegypti e Aedes albopictus, sendo o Aedes aegypti o vetor primário da dengue no Brasil e nas Américas.

    O vírus da dengue é um RNA vírus do gênero Flavivirus, pertencente à família Flaviviridae, sendo conhecidos quatro diferentes sorotipos: DENV-1, -2, -3, e -4. A infecção por um sorotipo de DENV promove imunidade permanente contra este tipo e imunidade fugaz, de curta duração (geralmente de meses), contra infecção causada pelos demais sorotipos de DENV. A infecção secundária heterotípica, ou seja, por um sorotipo diferente daquele responsável pela primoinfecção, é o principal fator de risco para a potencial ocorrência de formas graves de dengue.

    Quadro clínico e sintomas da dengue

    As manifestações clínicas da doença são muito variadas, desde formas assintomáticas até formas graves, podendo inclusive evoluir para o óbito. O quadro da dengue clássica é caracterizado por febre alta, de início abrupto, com duração de 2 a 7 dias (fase febril), acompanhada de dor de cabeça, odinofagia, mialgia, artralgias, dores na região retro-orbital, anorexia, astenia, hiperemia conjuntival, náuseas, vômitos, rash macular ou maculopapular, e, em alguns casos, gengivorragia, epistaxes e aparecimento de petéquias pelo corpo.

    O novo sistema de classificação, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e adotada pelo MS, propõe o agrupamento dos casos em duas categorias, tendo como base a gravidade da doença: dengue com ou sem sinais de alarme e dengue grave.

    QDENGA®: a nova vacina contra a dengue

    A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou, em 2023, uma vacina de vírus vivo atenuado contra a dengue, produzida pelo laboratório japonês Takeda, QDENGA® (vacina dengue 1, 2, 3 e 4) para a prevenção da dengue causada por qualquer um dos quatro sorotipos do vírus, recomendada para indivíduos de 4 a 60 anos de idade.

    A vacina é uma formulação tetravalente de vírus vivos, atenuados, baseada no sorotipo 2 (DENV-2) geneticamente atenuado (TDV-2) com três vírus quiméricos contendo os genes das proteínas pré-membrana e envelope do DENV-1, DENV-3 e DENV-4 dentro da estrutura genética do TDV-2.

    Sua administração é por via subcutânea na dosagem de 0,5 ml em regime de duas doses (0 e 3 meses), podendo ser feita em indivíduos independentemente da exposição anterior à dengue e sem necessidade de teste pré-vacinação. Tem como contraindicações a hipersensibilidade a substâncias contidas na vacina, indivíduos com imunodeficiência congênita ou adquirida, incluindo uso de corticoide ou outros medicamentos em doses imunodepressoras, mulheres grávidas ou durante a amamentação.

    A vacinação com QDENGA® deve ser adiada em pacientes que apresentem doença febril aguda. A presença de uma infecção leve, como um resfriado, não deve resultar no adiamento da vacinação.

    Vacina QDENGA®: estudos clínicos e aprovação

    O produto está destinado à população pediátrica acima de quatro anos, adolescentes e adultos até 60 anos de idade. O imunizante estará disponível para administração via subcutânea em esquema de duas doses, com intervalo de três meses entre as aplicações.

    A vacina Qdenga® também foi avaliada pela agência sanitária europeia (European Medicines Agency – EMA), tendo recebido uma recomendação positiva no âmbito do programa “EU Medicines for all“, um mecanismo que permite a avaliação de medicamentos destinados à utilização em países de baixa e média renda fora da União Europeia. Sua comercialização foi aprovada na União Europeia em 20/12/2022.

    Durante a análise técnica feita pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), foi realizado um painel para a discussão de alguns pontos do processo de registro com especialistas do país sobre a doença. Em seguida, os especialistas apresentaram um parecer opinativo sobre a vacina e sobre as condições de uso requeridas pela empresa, com o objetivo de subsidiar a análise realizada pelos técnicos da Agência.

    A concessão do registro pela Anvisa permite a comercialização do produto no país, desde que mantidas as condições aprovadas. A vacina, contudo, segue sujeita ao monitoramento de eventos adversos, por meio de ações de farmacovigilância sob a responsabilidade da empresa.

    A aprovação da vacina QDENGA® foi baseada em diversos estudos clínicos de fases 1, 2 e 3, que envolveram mais de 28.000 crianças e adultos de 1,5 a 60 anos em 13 países. O estudo pivotal (TIDES DEN-301) incluiu crianças e adolescentes de 4 a 16 anos e foi conduzido exclusivamente em países endêmicos para a dengue, da América Latina (Brasil, Colômbia, Panamá, República Dominicana e Nicarágua) e Ásia (Filipinas, Tailândia e Sri- Lanka), onde a doença é responsável por elevada morbidade e mortalidade na população.

    O estudo pivotal incluiu o seguimento dos indivíduos por quatro anos e meio após a segunda dose da vacina (Estudo de Eficácia Duplo Cego, Randomizado, Controlado com Placebo, da Imunização Tetravalente contra a Dengue – Estudo TIDES). Os participantes foram randomizados 2:1 para receber duas doses de 0,5 ml da vacina (TAK-003) ou placebo nos meses 0 e 3, administradas por via subcutânea.

    O estudo é composto de cinco etapas:
    • Etapa 1: o objetivo primário avaliou a segurança e a eficácia da vacina até 15 meses após a primeira dose (12 meses após a segunda dose) para a prevenção de dengue confirmada virologicamente.
    • Etapa 2: a segunda parte do estudo continuou por mais seis meses para completar a avaliação dos objetivos secundários de eficácia da vacina – por sorotipo, de acordo com o sorostatus basal e gravidade da doença.
    • Etapa 3: a terceira parte do estudo avaliou a eficácia da vacina e a segurança em longo prazo, acompanhando os participantes por 4,5 anos após a segunda dose, incluindo análise exploratória da eficácia da vacina de acordo com a região, sorotipo e idade.
    • Etapa 4: avaliará a eficácia e segurança durante 13 meses após uma dose de reforço da vacinação.
    • Etapa 5: avaliará a eficácia e segurança em longo prazo durante um ano após a conclusão da etapa 4.

    Foram coletadas amostras de sangue no período basal de todos os indivíduos participantes do estudo para permitir a avaliação da segurança e eficácia com base no estado sorológico prévio.




    Vacina QDENGA®: eficácia

    A demonstração da eficácia da Qdenga® tem suporte principalmente nos resultados de um estudo de larga escala, estudo de fase 3, randomizado e controlado por placebo, conduzido em países endêmicos para dengue com o objetivo de avaliar a eficácia, a segurança e a imunogenicidade da vacina.

    O objetivo primário do estudo, avaliado 12 meses após a segunda dose da vacina, foi alcançado, com demonstração de 80,2% (IC: 73,3 – 85,3) de eficácia na prevenção de casos sintomáticos de dengue virologicamente confirmada.

    A análise dos objetivos secundários identificou eficácia de 90,4% (IC: 82,6 – 94,7) da vacina para a prevenção de hospitalizações devidas à DCV e de 85,9% (IC: 31,9 – 97,1) na prevenção de dengue hemorrágica, no período de 18 meses após a vacinação. Na análise de eficácia de acordo com o status sorológico, a vacina demonstrou eficácia de 76,1% (IC: 68,5 – 81,9) para a prevenção de dengue virologicamente confirmada entre os participantes soropositivos ao ingressar no estudo e de 66,2% (IC: 49,1 – 77,5) para participantes soronegativos. A eficácia variou por sorotipo do vírus da dengue (DENV-1, 2, 3, 4).

    Desfechos secundários de eficácia por Sorotipo 18 meses pós-vacinação
    Fonte: Biswal et al. 2020.
    Sorotipo Eficácia IC1 95%
    DENV-1 69,8% 54,8 a 79,9
    DENV-2 95,1% 89,9 a 97,6
    DENV-3 48,9% 27,2 a 64,1
    DENV-4 51,0% – 69,4 a 85,8
    1 Intervalo de confiança.

    A eficácia contra a dengue para todos os sorotipos combinados entre indivíduos soronegativos para dengue (sem infecção anterior pelo vírus da dengue) foi de 66,2% (IC de 95%: 49,1%, 77,5%). Já para os indivíduos soropositivos (indivíduos que tiveram infecção anterior pelo vírus dengue), esse valor foi de 76,1% (IC de 95%: 68,5%, 81,9%).

    Individualmente, a eficácia calculada contra o sorotipo DENV-1 foi de 69,8%, contra o sorotipo DENV-2 de 95,1% e contra o sorotipo DENV-3 de 48,9%. Para o sorotipo DENV-4, o reduzido número de casos identificados durante os estudos não permitiu estabelecer um resultado de eficácia de forma estatisticamente relevante. Adicionalmente, no caso específico do DENV-3, o resultado de eficácia para indivíduos soronegativos não se mostrou satisfatório.

    Todavia, o valor de eficácia global da vacina, que é o objetivo primário do estudo clínico apresentado, atingiu o patamar de 80,2%, calculado a partir da comparação dos resultados dos participantes que receberam a vacina e dos que receberam placebo, para todos os quatro sorotipos, e contabilizando todos os casos de dengue identificados, seja em indivíduos soropositivos ou soronegativos.

    Na análise de seguimento por quatro anos e meio após a segunda dose, a vacina demonstrou eficácia de 84,1% (IC: 77,8 – 88,6) para prevenção de hospitalização por dengue e de 61,2% (IC: 56,0 – 65,8) para prevenção de dengue virologicamente confirmada na população total do estudo, com 64,2% (IC: 58,4 – 69,2) de eficácia entre os soropositivos e 53,5% (IC: 41,6 – 62,9) nos soronegativos.

    Entre os participantes soronegativos ao ingressar no estudo os dados acumulados mostram que a eficácia se manteve consistente contra DENV-1 [45,4% (IC: 26,1 – 59,7) e 78,4% (IC: 43,9 – 91,7) para prevenção de dengue virologicamente confirmada e de hospitalização, respectivamente e DENV-2 [88,1% (IC: 78,6 – 93,3) e 100% (NE) para prevenção de dengue virologicamente confirmada e de hospitalização, respectivamente.

    No entanto, os mesmos dados mostraram que não houve demonstração de eficácia contra o DENV-3 entre indivíduos soronegativos. Em função do limitado número de casos de DENV-4 durante todo o período do estudo, não houve possibilidade de avaliação da eficácia contra o DENV-4 entre indivíduos soronegativos. Em relação à segurança, a vacina foi bem tolerada e sem evidência de aumento da incidência de doença grave em pacientes soronegativos, e sem riscos de segurança importantes identificados.

    O estudo TIDES iniciou uma extensão para avaliar a resposta a uma dose de reforço, os resultados servirão de base para avaliar a necessidade e a melhor época de indicar a necessidade de possível(eis) dose(s) de reforço.

    Recomendações da Sociedade Brasileira de Pediatria

    Duas vacinas dengue quadrivalentes estão licenciadas em nosso país:
    • Vacina Dengvaxia® (Sanofi): recomendada no esquema de três doses (0, 6 e 12 meses) para crianças, adolescentes e adultos – de 6 anos até no máximo 45 anos de idade – que já tiveram infecção prévia confirmada pelo vírus da dengue (soropositivos).
    • Vacina QDENGA® (Takeda): recomendada no esquema de duas doses (0 e 3 meses) para crianças, adolescentes e adultos – 4 até 60 anos de idade – independente de infecção prévia (soropositivos e soronegativos).

    Ambas as vacinas são contraindicadas para gestantes, mulheres que amamentam e imunocomprometidos.

    • A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda a vacinação contra a dengue para todas as crianças e adolescentes a partir de 4 anos de idade, independente da doença já ter ocorrido.

    • A Sociedade Brasileira de Pediatria sugere o uso preferencial da vacina QDENGA©, pelo esquema posológico mais conveniente (menor número de doses e término do esquema vacinal em menor tempo) e pela não necessidade de comprovação de infecção prévia pela dengue para sua administração.

    • Após uma infecção pelo vírus da dengue, recomenda-se um intervalo de 6 meses para iniciar a vacinação.

    • A vacina está contraindicada para crianças, adolescentes e adultos imunocomprometidos, gestantes e lactantes.

    • Não há dados disponíveis de segurança e de imunogenicidade para realização de intercâmbio de doses entre as diferentes vacinas, não sendo, portanto, recomendada esta prática no momento.

    Referências Bibliográficas

    • Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento Científico de Imunizações (Gestão 2022-2024). Nova Vacina Dengue: Recomendações da Sociedade Brasileira de Pediatria. Publicado em 11/08/2023.

    • Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Anvisa aprova nova vacina para dengue. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2023/anvisa-aprova-nova-vacina-para-a-dengue. Publicado em 02/03/2023. Atualizado em 09/02/2024. Acesso em 10/03/2024.

    • Dr. Marcelo Meirelles
    – Médico Pediatra
    – Médico Hebiatra (Especialista em Medicina do Adolescente)
    – Psiquiatria na Infância e Adolescência




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